21.10.13

VIDA FAMILIAR APRENDER A DESCOBRIR PARA SERES COMPREENDIDO!


Introdução
Na existência, uma das forças fundamentais que nos leva a agir é a motivação para satisfazer as nossas necessidades.
Como vimos no número anterior1, existem necessidades que nos motivam mais do que outras. Percebendo que a leitura da pirâmide das necessidades de Maslow mais não é do que uma aproximação muito rudimentar daquilo que caracteriza realmente a espécie humana, importa ser capaz de encontrar um meio, um método, uma grelha para saber ler, quer as necessidades pessoais, quer as necessidades daqueles que nos rodeiam. Este mês queremos partilhar contigo uma proposta que, ao ser aplicada, pode ajudar-te a separar o acessório do fundamental, nesta questão. Terás assim uma vantagem acrescida para poderes descobrir as necessidades de quem está ao teu lado, contribuindo do mesmo modo para seres compreendido.

O início de uma relação humana a dois é normalmente marcado por um elevado nível comunicacional de encontro de ideias: frases como “também penso assim”, “engraçado, também gosto desta cor”, repetem-se vezes sem conta, enquanto na atracção que levou duas pessoas a aproximarem-se, uma comunalidade (um espaço comum de ideias, valores, ambições, perspectivas de vida, criação dos filhos, ...) se define como enquadramento estável do desenvolvimento e crescimento do amor.
No entanto, este pacote de encontros, que na sua fase inicial é descoberto com um entusiasmo ofuscante que leva duas pessoas a esquecerem-se muitas vezes do que as rodeia, esgota-se. Assim, passada a euforia da descoberta a dois e dos dois, vem o período de estabilidade do crescimento do amor, da experiência a dois. 
É neste âmbito que continua a ser crucial uma escuta activa, uma capacidade de leitura profunda das necessidades do outro – essas sim, não se esgotam nos primeiros anos de vida de um casal. Se a percepção das necessidades não for correctamente feita, e se estas não forem devidamente satisfeitas, iniciar-se-á um processo de recalcamento de frustrações, de ressentimentos, de ódios inicialmente escondidos, depois manifestos em pensamentos, palavras e actos, que comprometerão dramaticamente a felicidade de ambas as partes. Levanta-se, no entanto, um outro problema: mesmo que eu consiga interpretar correctamente o outro, eu não tenho recursos para satisfazer TODAS as suas necessidades. Nenhum ser humano pode ter a ousadia de pensar que pode ver satisfeitas todas as suas necessidades! Nenhum ser humano pode ousar acreditar que pode satisfazer todas as necessidades do outro.

Interagindo:
Escolhe um dia em que possas sair com a pessoa que amas. Deixa os telemóveis desligados, vai para um local onde não exista perturbação e faz a pergunta: em que é que eu tenho falhado em relação às tuas necessidades? Quais são as necessidades que eu não tenho conseguido satisfazer neste último ano?
Se tiveres uma memória fraca, pega numa caneta e vai escrevendo o que fores ouvindo. Não interrompas, ouve somente. Não te desculpes, regista somente. Ouve com muita atenção até não haver mais nada a dizer. Não te ofendas, deixa que o outro fale livremente. Respeita a sua resposta mesmo que te pareça absurda!
Depois, pede que, dessa lista, sejam definidas as 10 primeiras necessidades (deixa as outras em grupos de 10 para os meses seguintes): em termos de ordem de importância (da mais importante para a menos importante). Seguidamente, estabelece uma negociação muito criteriosa sobre os recursos que tens ao teu alcance para satisfazer as necessidades dessa lista. (Imagina que uma das necessidades é “passares mais tempo comigo”! Perante isto deves negociar se é viável ver menos TV, trabalhar menos horas, ou outra proposta. No caso de se decidir “trabalhar menos horas” por exemplo, negoceia bem o que não vais comprar, ou se deves vender a casa e comprar outra mais barata, para poderes “ter mais tempo disponível”. Deste modo, podes estabelecer um acordo de base sobre o custo que terá “satisfazer essa necessidade”. O casal determina na multiplicidade de necessidades que existem quais são aquelas sobre as quais haverá investimento especial de comunalidade. Este é um método muito importante para lidar também com os nossos filhos, pois eles compreendem facilmente que neste processo negocial todos ficam a ganhar com as decisões tomadas em conjunto: “o meu pai não me compra a bicicleta este mês porque isso obriga-o a trabalhar mais e eu quero-o em casa para brincar comigo também”!)

Percebe-se, por isso, que este assunto da satisfação das necessidades é uma das questões mais sérias de um casal. Ela é a génese de todos os problemas, conflitos, desentendimentos de um casal. É na insatisfação das necessidades que os núcleos familiares se desagregam, que a droga entra pela porta, bem como a doença, o abandono da luta pela vida fustiga o gosto de viver, conduzindo por exemplo ao suicídio (passivo ou violento), entre outros problemas. 
Por isso, recapitulemos:
- é importante estar “treinado” para conseguir ler as necessidades do outro.
- é importante perceber que não se conseguirá nunca satisfazer todas as necessidades existentes.

Perante este duplo dilema, precisamos de saber escolher as necessidades que devem receber, da nossa parte, todo o empenho para conseguir satisfazer o outro, bem como perceber as necessidades que estão em causa.
Para o fazer, proponho-te que preenchas agora esta grelha de leitura das necessidades (ver a Figura na página seguinte): identifica primeiro as NECESSIDADES EXPRESSAS (são aquelas que são mais fáceis de identificar); vêm seguidamente as NECESSIDADES SENTIDAS (que nem sempre são expressas, por medo de represálias, por experiências do passado que bloquearam a comunicação sobre um determinado assunto, por exemplo); o terceiro nível de necessidades, são as NECESSIDADES LATENTES . Estas são muito mais difíceis de identificar, e é preciso uma dedicação especial ao outro, ter aprendido a ouvi-lo activamente, a identificar nas suas palavras o que está por detrás delas, para construir aquilo que está latente na relação. 
Vêm depois as NECESSIDADES REAIS . Estas necessidades podem ser identificadas depois da interacção que te proponho em cima: saber como é que se vai negociar a satisfação das necessidades dentro da comunalidade do casal.
Depois de transcreveres para a grelha a seguir apresentada as necessidades identificadas, aperceber-te-ás que existem necessidades que estão presentes em todas as quatro categorias, que caem assim no centro desta matriz, que designamos por necessidades satisfeitas (ou a satisfazer).

Um conflito emerge porque uma necessidade não foi, não é, e prevê-se que não venha a ser satisfeita. Por isso, é necessário actualizar o contexto das necessidades de um casal. Existem, pelo menos, quatro dimensões de necessidades em cada uma das áreas identificadas anteriormente. A satisfação das necessidades é um processo complexo que exige uma sábia gestão da sua identificação. As necessidades expressas são necessidades que são exteriorizadas.


Figura : As necessidades satisfeitas como confluência das necessidades expressas, sentidas, latentes e reais

Interagindo:
Foca as necessidades sexuais e analisa-as de acordo com esta matriz. Seguidamente, tendo em conta as quatro dimensões da saúde familiar, poderão ser desenhadas as necessidades sentidas que nem sempre são expressas. Seguem--se as necessidades latentes, que muitas vezes nem estão consciencializadas. Finalmente, temos as necessidades reais. No cruzamento destas dimensões encontra-se então o grupo de necessidades sexuais a serem satisfeitas. Um diálogo permanente deverá reanalisar este cruzamento para manter a vida sexual saudável. As necessidades que mais problemas podem provocar (expressas) e mais causas de reclamação originam, correspondem apenas parcialmente às necessidades reais. Por outro lado, nem todas as necessidades sentidas são expressas e existem necessidades latentes não directamente perceptíveis pelo casal. Importa encontrar o cruzamento destas quatro áreas e o casal, depois de identificar quais são as necessidades que devem ser satisfeitas, investirá os seus recursos na sua satisfação. S&L




Luís S. Nunes
Sociólogo da Medicina e da Saúde,
Mestre em Saúde Pública

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