23.10.13

IDOSOS MALTRATADOS

Maria Inês vai fazer 80 anos e acaba de ficar viúva. Devido à sua saúde precária, aceitou a sugestão da sua filha Aurora de ir viver com ela e com a sua família.Aurora já tem a sua boa dose de stresse, devido ao seu trabalho; o seu marido está ameaçado de despedimento e têm dois filhos a estudar na Universidade. Por vezes irrita-se, perde o controlo e dá uma bofetada à sua mãe idosa. Noutras ocasiões, zanga-se com ela, agarra-lhe os braços com força e fala-lhe aos gritos. Por tudo isso, Maria Inês tem nódoas negras nos braços, um medo quase constante e chora frequentemente.Os maus-tratos praticados sobre idosos são mais comuns do que se pensa. Embora, por vezes, aconteçam em instituições da terceira idade, são mais frequentes no meio familiar e aplicados por um membro da família. Podem ser físicos (incluindo o abuso sexual), psicológicos, ou devidos a negligências na atenção aos idosos. Outras vezes, a pessoa idosa é explorada financeiramente.Estes problemas devem prevenir-se e, se chegarem a acontecer, devemos saber o que fazer para os enfrentar, como indicamos neste artigo.
Maus-tratos físicos
Milhares de casos de maus-tratos a idosos são denunciados anualmente em muitos países, mas dezenas de milhares ficam escondidos (calcula-se que há doze ou treze casos deste tipo, por cada um denunciado), passando esses idosos os últimos anos da sua vida com sofrimento físico e emocional. Os próprios idosos não os denunciam por medo de represálias ou por temerem que ninguém cuide deles.Maltratar fisicamente é usar a força para com a pessoa idosa (pancadas, bofetadas, beliscões, apertões, empurrões…). Isto deixa-a com dores e marcas que, geralmente, se ocultam, ou, se são visíveis, se atribuem a causas acidentais. O problema não é só o uso da força, mas também os gritos, o uso indevido de medicamentos (dar-lhos em excesso, ou privá-los deles), a decisão de os manter confinados em lugares inadequados, ou até de os amarrar a uma cadeira ou a uma cama.
Porquê este tratamento tão desumano?
O stresse excessivo das pessoas que cuidam dos idosos costuma ativar os comportamentos violentos. Isso nunca os justifica, e muito menos com idosos indefesos.Em todo o caso, a prevenção deste problema requer uma redução suficiente do stresse.Este provém de factos como a deterioração da pessoa idosa, que cada vez exige mais cuidado e atenção; as situações familiares (relações com o cônjuge, filhos adolescentes e jovens); os problemas económicos, laborais ou de saúde. Uma combinação negativa de circunstâncias pode ocasionar impaciência, intolerância e frustração no cuidador e pode resultar numa agressão física. Infelizmente, quem paga as consequências é o idoso, que se torna mais vulnerável, à medida que diminui a sua autonomia, para se defender e para denunciar o caso.O risco acentua-se nas mulheres e nos idosos que dependem por completo dos seus agressores. E nestes últimos, o risco de que agridam é maior se não possuem resiliência, ou se têm antecedentes de maus-tratos. Também existe esse risco em depressivos, em alcoólicos e naqueles que não veem utilidade ou alguma recompensa em cuidar do idoso.
Os sintomas
Muitos dos casos chegam a conhecer-se e a resolver-se devido à observação de uma pessoa exterior à família ou por ação de pessoal de saúde que trata a pessoa e que descobre:
• Feridas, nódoas negras, ampolas.
• Fraturas de ossos ou deslocações de articulações.
• Perda de cabelo ou de peça dentária.
• Óculos partidos.
• Doses excessivas ou carência de medicamentos.
• Marcas de corda que indicam atadura.Quando o idoso requer atenção física por danos diversos causados em momentos diferentes, o cuidador-perpetrador recorre astutamente a um centro de saúde diferente de cada vez, para que não descubram e suspeitem dos múltiplos “acidentes”. Também costuma arranjar desculpas para que os amigos, vizinhos, etc., não visitem o idoso. Assim evita ser descoberto.Frequentemente, não há a intenção de causar dano, mas o agressor chega ao limite da sua tolerância e acaba por causar prejuízos ao idoso. Embora isso não justifique o ato, completamente inaceitável, a sua consumação pode e deve servir como alerta para tomar consciência do perigo e aplicar todas as medidas preventivas possíveis.
shutterstock_59333134.jpgComo prevenir e abordar este assunto
A linha de prevenção mais importante é que toda a gente que convive com pessoas idosas, em famílias ou em lares de idosos, tome clara consciência do problema. É necessário saber que há uma elevada incidência e que toda a gente corre um certo risco de se tornar num agressor, quando está submetido ao stresse.
Por isso, recomenda-se assistir a seminários informativos, ler sobre o tema, ou simplesmente falar dele com outras pessoas que têm um idoso a seu cargo. Além disso, sugerimos conselhos para as pessoas envolvidas:

oldwoman_59830903.jpgPara o cuidador.
Se tem de cuidar de um idoso:
• Evite níveis intoleráveis de stresse. Em vez de querer fazer tudo sozinho, peça ajuda a familiares, vizinhos ou serviços sociais para o cuidado do idoso. Conceda a si mesmo descansos habituais. Procure tirar algum tempo livre para recuperar a energia física e mental.
• Mantenha-se em bom estado de saúde. Isto é importantíssimo, pois as necessidades do idoso podem prolongar-se durante anos, esgotar as suas forças e arruinar a sua saúde.
• Relacione-se de forma alargada com a pessoa idosa. Não limite o seu trato com ela ao cuidado físico e à atenção das suas necessidades. Dedique tempo regularmente a falar com a pessoa e a escutá-la. Isso ajudá-lo-á a aprofundar a relação, a reforçar o afeto e a adquirir respeito para com o idoso.
• Recorra à psicoterapia preventiva. Se, quando se sentiu irritado, teve momentos de violência física ou verbal, consulte um psicólogo experiente e conte-lhe o sucedido. Isso pode evitar um mal maior.
• Procure apoio em grupo. Se conhece alguém numa situação semelhante à sua, procure partilhar as suas fadigas. Ouça o que outros contam dos seus próprios conflitos e aprenderá novas maneiras de enfrentar os seus problemas. Neste tipo de interação, sentir-se-á melhor e fará com que outros também sejam beneficiados.
• Procure ajuda profissional. Se já exerceu violência de algum tipo sobre uma pessoa idosa, admita o problema e procure ajuda psicológica para obter apoio, pois a própria pessoa quase nunca pode enfrentar sozinha, com êxito, este problema. Se há circunstâncias que complicam a situação (por exemplo, o consumo de álcool), siga os conselhos de um profissional de saúde ou de um grupo terapêutico, para resolver esse problema.

Para o próprio idosoSe sofre de maus-tratos:
• Responsabilize-se e mantenha o controlo da sua situação financeira e legal. Isto oferecer-lhe-á opções e menos dependência de uma pessoa em concreto. Se desejar, quando chegar o momento, poderá escolher, por exemplo, uma residência assistida como alternativa.
• Perceba que não merece violência de nenhum tipo e que não é um estorvo. Nos seus últimos anos, precisa de um tratamento de afeto sincero e de profundo respeito.
• Seja amável e cortês com aqueles que cuidam de si. Quer esteja num lar quer viva em família, não provoque nem dê sermões.
• Se não se sente cómodo com o tratamento que recebe, confesse a sua preocupação a alguém de confiança, antes que as coisas se compliquem.
• Se há, de facto, maus-tratos, fale e procure ajuda, para evitar o agravamento da situação. Uma chamada telefónica pode salvá-lo.
Para quem tenha conhecimento dos maus-tratos
Se conhece uma situação de maus-tratos:
• Proporcione apoio e compreensão a quem é alvo deles.
• Averigue por meio da vítima a gravidade do assunto e, se for importante, siga os passos para denunciar o assunto ou informar os serviços sociais. A sua intervenção pode contribuir para salvar uma vida.
• Não confronte o perpetrador, já que pode pôr em maior perigo a integridade do idoso.
• Em muitos países é obrigatório alertar as autoridades quando se sabe de maus-tratos a menores ou idosos. Portanto, se houver evidência deles, deve informar com ou sem consentimento da vítima.
• Falar com o médico do idoso pode ser outra via, pois os médicos são obrigados a envolver-se no assunto, providenciando apoio logístico para proteger a vítima de maus-tratos.Esta é uma problemática que, infelizmente, não tem um fim à vista. Mas depende de cada um de nós modificar a situação e melhorar as condições de vida daqueles que, durante anos, se empenharam em fazer o melhor por nós e que agora, na fase final da sua caminhada, necessitam da nossa ajuda, da nossa compreensão e do nosso amor.No próximo número, abordaremos outros aspetos deste tema tão dolorosamente atual.

Manuel Ferro
Redação S&L
* Texto traduzido e adaptado do livro Disfruta la Vida, de Julián Melgosa, publicado pela editora Safeliz, Espanha, pp. 232-235.

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