8.8.13

COMPLICAÇÕES CARDIOVASCULARES de APNEIA DO SONO

Está estimado que a apneia do sono afecte entre 2-4% da população portuguesa, ou seja cerca de 400 mil portugueses.
Geralmente é desconhecida da maior parte da população e mesmo por vezes subavaliada pela classe médica. É um problema que afecta principalmente os indivíduos obesos com mais de 35 anos, principalmente do sexo masculino, sendo muito frequente nos indivíduos com roncopatia (que ressonam muito). Acontece predominantemente nos sedentários e fumadores.

O que é a apneia do Sono?
A apneia do sono, também conhecida como síndroma da apneia obstrutiva do sono (SAOS), é um distúrbio que ocorre durante o sono, em que há pausas respiratórias muitas vezes sem que o indivíduo se aperceba, e que poderão ser notadas pelo companheiro/a. Este nota que ele pára intermitentemente de respirar, faz pausas mais ou menos longas.
Isto geralmente ocorre porque há um colapso repetido das vias aéreas superiores, da via aérea faríngea. O doente não consegue respirar porque o ar não passa, e apesar de fazer um grande esforço muscular, não consegue ventilar, pelo que entra em apneia ou hipopneia. A apneia pode não ser completa, não existindo uma obstrução total, mas apenas parcial ao fluxo aéreo. Nas apneias completas geralmente é necessário um despertar, que pode ser total ou não, consciente ou não, para restabelecer a permeabilidade da via aérea e reassumir a ventilação.
Estes indivíduos têm, assim, uma interrupção repetida do seu sono durante a noite, vivendo em permanente carência de sono, pelo que andam sempre sonolentos, acordam cansados, e adormecem frequentemente durante o dia assim que param um pouco. Esta sonolência diurna pode levar até ao adormecimento em situações críticas, como em condução ou a trabalhar com equipamentos perigosos.
A gravidade da situação depende do número de apneias e hipopneias por hora de sono e da sua duração, porque podem ser mais ou menos prolongadas.

A influência da SAOS
As horas de sono são absolutamente necessárias para o bom funcionamento do nosso corpo. Há uma necessidade absoluta de todos os nossos órgãos “dormirem”, “hibernarem”, baixarem a níveis mínimos de funcionamento, para no dia seguinte estarem revigorados e aptos para serem levados a níveis máximos se for preciso.
Quando existem apneias, a ventilação diminue, pelo que diminuem os níveis de oxigénio no sangue, os órgãos são mal oxigenados e entram em hipóxia.
Estas hipóxias repetidas impedem que os órgãos funcionem a níveis mínimos durante o sono.
As complicações mais descritas da SAOS são a hipertensão arterial e as doenças cardiovasculares.
A pressão arterial cai normalmente durante o sono, pelo que a tensão arterial é acentuadamente menor de noite que durante o período de vigília.
Os estudos realizados em doentes com SAOS, vieram demonstrar que a pressão aumenta em cada evento obstrutivo, havendo múltiplos picos de pressão arterial ao longo das diversas apneias. O tónus simpático nestes doentes também está aumentado.
Os indivíduos com SAOS têm frequentemente hipertensão arterial, que pode ser de difícil controlo. A SAOS é, por vezes, a única causa do difícil controlo da mesma com a medicação. A pressão arterial média nocturna está mais elevada nestes indivíduos, e pode estar mesmo invertida, ser mais alta de noite do que de dia – é o chamado padrão “não-dipper”.
Os padrões “não-dipper” estão associados a problemas cardiovasculares, por vezes graves, como uma maior prevalência de enfarte do miocárdio e de acidente vascular cerebral (AVC).
Sabe-se que existe uma forte associação entre AVC e SAOS, havendo uma clara relação entre a gravidade do síndroma de apneia e o AVC. Os AVC são cerca de 60% mais prevalentes nos doentes com índices de apneia mais graves, em relação aos com índices mais ligeiros. Depois desencadeia-se um ciclo vicioso nestes doentes, porque o próprio AVC diminue o tónus da musculatura faríngea e o controlo ventilatório e é factor desencadeante de apneias nocturnas.
Também a SAOS tem uma forte relação com a doença cardíaca. Os efeitos agudos da apneia do sono, a hipóxia, a hiperpneia compensadora, a activação simpática, levam a isquémia do miocárdio (o músculo cardíaco). Por outro lado, nos doentes que já têm doença aterosclerótica das coronárias, a isquemia pode ter consequências mais graves e desencadear um enfarte do miocárdio.

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O tratamento dos casos graves faz-se à custa do uso, durante a noite, de um aparelho respiratório, uma máscara nasal que ventila o doente atravésde pressão positiva permanente, que contaria o colapso das vias respiratórias.

Estudos diversos vieram realmente demonstrar uma elevada prevalência de SAOS em doentes sobreviventes de enfarte do miocárdio, sendo que a gravidade das apneias tem uma relação com o prognóstico nestes doentes, sendo a mortalidade muito mais elevada no grupo com índice de apneias mais grave.
Por outro lado, os indivíduos com SAOS têm frequentemente síndroma metabólica, com obesidade, hipertensão arterial, dislipidémia, hiperglicémia ou diabetes, alterações da coagulação. Tudo isto também contribue para uma taxa elevada de doença coronária e isquemia do miocárdio nestes indivíduos.
Também a SAOS tem uma forte relação com a presença de arritmias cardíacas nocturnas, podendo estas ser mesmo muito graves, e levar à morte súbita.
Todos estes aspectos nos fazem pensar na gravidade que pode representar a síndroma da apneia obstrutiva do sono e na necessidade de a prevenir.

Factores de risco
Como já foi referido, esta patologia predomina nos indivíduos obesos, sedentários e fumadores, principalmente nos homens com estas características.
A obesidade leva a alterações da anatomia da via aérea superior e da função dos músculos faríngeos, sendo claramente um factor de risco de SAOS.
A roncopatia é a fase inicial da doença, e muitas vezes coexiste com ela.
Os indivíduos obesos que ressonam muito têm claramente um risco acrescido de SAOS e os seus companheiros devem estar alertados para identificar o problema, principalmente se eles têm as queixas que foram referidas de cansaço permanente e sonolência diurna.
Alguns estudos vieram demonstrar que 50% dos homens com obesidade mórbida (com índice de massa corporal médio de 45Kg/m2) têm em média mais de 30 episódios de apneia e hipopneia durante o sono.
O perímetro do pescoço e a relação cintura-anca foram identificados como os melhores predictores de apneia do sono.
O facto de haver uma autêntica epidemia de obesidade, faz temer que o problema da apneia do sono venha a agravar-se no futuro.
A perda de 10% do peso corporal, diminue o número de apneias nestes doentes em cerca de 20-25% e diminue significativamente o risco cardiovascular.
Todos os nossos esforços devem assim ser centrados na redução do peso, através de uma dieta equilibrada, e do aumento do exercício físico diário.

Para além do peso...
O tratamento dos casos graves faz-se à custa do uso, durante a noite, de um aparelho respiratório, uma máscara nasal que ventila o doente através de pressão positiva permanente, que contaria o colapso das vias respiratórias, é o CPAP. Os benefícios do uso destes aparelhos são notórios quer em termos de redução dos sintomas, quer em relação aos parâmetros de oxigenação sanguíneos, quer em relação ao prognóstico.
O inconveniente deste equipamento é para o companheiro/a, uma vez que o aparelho é muito barulhento, não compensa o deixar de ressonar, e obriga frequentemente o companheiro a mudar de quarto para conseguir dormir.
O tabagismo também tem uma relação forte com a prevalência de SAOS.
A cessação tabágica diminue de forma drástica o número de apneias nestes doentes.
O custo do tabaco é enorme na Sociedade, e também na sociedade portuguesa, estimando-se que seja responsável por 11% das mortes. O tabaco está associado a bronquite crónica, enfisema pulmonar, cancro do pulmão, doença cardíaca, enfarte do miocárdio, AVC, doença vascular periférica, e também à síndroma da apneia do sono.
O parar de fumar é, assim, fundamental também para estes indivíduos, pelo que devem ser incentivados a deixar de fumar e ser encaminhados para os diversos programas de cessação tabágica.
Mais importante que curar a patologia, é evitá--la, não fumando, mantendo um peso dentro da normalidade, praticando exercício físico, fazendo uma alimentação equilibrada e pobre em gorduras e calorias.
Todos nós temos o dever de olhar para nós próprios, para o nosso corpo, de estar bem com ele, de identificar os erros que estamos a cometer e de os corrigir a tempo.

Bibliografia
1 – Patel, S.R. and Fogel, R.B. Síndroma da Apneia Obstrutiva do Sono. Em Obesidade e Doença Cardiovascular. Euromédice, Edições Médicas L.da, 2006
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Madalena Carvalho
Cardiologista

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