27.7.11

REUMATISMO "O RATO QUE NOS COME"

A artrose sendo a forma mais comum de reumatismo e uma das doenças mais frequentes na espécie humana, é um dos principais factores determinantes de incapacidade física no indivíduo idoso. Em graus variados de intensidade e de compromisso poliarticular, afecta a maior parte da população depois dos 60 anos, embora só nalguns casos atinja gravidade suficiente, para determinar sintomas e alteração morfológica articular com significado. A frequência da artrose aumenta de modo significativo com a idade. Afecta cerca de 20% da população aos 45 anos e quase 100% aos 80 anos. A observação de alterações de carácter artrósico em numerosos esqueletos pré-históricos, demonstra a sua antiguidade de compromisso no homem. Não se trata pois de uma " doença da civilização ", embora as articulações envolvidas, sejam em certa medida, influenciadas pela adaptação da espécie humana á postura erecta e pelo desenvolvimento da profissão tal como a encaramos hoje. Embora não haja cura para a artrose, a definição para cada doente de um protocolo terapêutico adequado, permite prevenir ou corrigir problemas da morfologia, aliviar os sintomas, melhorar a capacidade funcional e fundamentalmente, a qualidade de vida. Do mesmo modo, o conhecimento do paciente sobre a sua doença, representa como em todas as formas de reumatismo, um elemento da maior importância na determinação dos resultados do seu tratamento.

Os ossos de uma articulação são mantidos em posição adequada, por ligamentos e tendões, que permitem apenas os movimentos normais. Os músculos são também determinantes na manutenção da estabilidade da articulação, sendo esta encerrada numa cápsula fibrosa, no interior da qual um fino véu, produz permanentemente uma pequena quantidade de liquido, designado como sinovial, que actua como lubrificante e nutriente da cartilagem. Numa articulação normal, os topos dos ossos que a compõem, estão cobertos por uma “ capa “ de material elástico esbranquiçado, a cartilagem, que permite o deslizamento suave dos ossos e actua como uma almofada, que absorve o impacto dos ossos no movimento e em particular na carga. A artrose resulta da senescencia e consequente destruição progressiva dos tecidos que compõem a articulação, em particular a cartilagem, conduzindo à instalação progressiva de dor, deformação e limitação dos movimentos. No estabelecimento da artrose, começa por ocorrer uma deterioração da cartilagem, que perde a sua regularidade e elasticidade, o que diminui a sua eficácia e contribui para a sua destruição adicional com o uso repetido e a carga traumática. Com o tempo, grande parte da cartilagem pode desaparecer completamente. Na ausência de parte ou da totalidade da "almofada" da cartilagem, os ossos roçam directamente entre si, causando sensação de atrito ( crepitação ), certo grau de inflamação, dor e limitação de movimentos. Com a evolução no tempo, a articulação pode sofrer deformação visível ou palpável, cuja tradução mais comum são os osteofitos, conhecidos popularmente na coluna, por " bicos de papagaio “.Em fase evolutiva bastante avançada, fragmentos da cartilagem ou do osso subjacente, podem soltar-se para o interior da articulação e limitar ou mesmo bloquear os seus movimentos. Por outro lado, as estruturas de contenção passiva da articulação, como a capsula articular e os ligamentos, colocadas sob tensão excessiva, podem-se inflamar, retrair ou mesmo romper. Estas alterações, que constituem uma importante causa de dor e incapacidade, podem ser adequadamente apoiadas e tratadas, quando a doença é detectada precocemente ( diagnóstico precoce ).

Todas as articulações podem ser envolvidas pela artrose. Contudo, as ancas, os pés e a coluna ( articulações de carga) e os joelhos são de longe as mais vulgarmente atingidas, devido ao esforço a que são sujeitas. Uma forma relativamente comum e particular, atinge predominantemente as articulações mais distais dos dedos das mãos. Esta forma é das mais frequentes em mulheres após a menopausa. A articulação da base do polegar é também afectada com bastante frequência, particularmente em donas de casa e noutras profissões com uso intensivo do polegar. Articulações como os cotovelos, os punhos e os tornozelos, são menos frequentemente atingidas, a não ser como consequência de sequelas de traumatismos ou de certas doenças gerais.

De uma maneira geral, a artrose é mais frequente e mais agressiva no sexo feminino. A obesidade constitui um importante factor de risco, sobretudo no caso do joelho e da anca, sendo a relação menos clara para a artrose da coluna, embora a obesidade aumente a sintomatologia álgica nesta situação, não existindo no entanto na artrose das mãos. Algumas profissões com particulares exigências físicas, têm também maior tendência a desencadear a artrose, sendo esse o caso da industria têxtil, em relação ao polegar, da agricultura relativamente à anca e joelho e da industria de construção civil na artrose do joelho. A doença tem alguma carga hereditária, particularmente nas formas de envolvimento poliarticular. Por outro lado, todos os traumatismos podem aumentar o risco de desenvolvimento de artrose, particularmente quando ocorrem fracturas que atingem as superfícies articulares ou rompem os seus ligamentos, como no caso do joelho com o ligamento cruzado anterior ou os meniscos.

O sintoma predominante na artrose é a dor articular, podendo no entanto ter localização variável, consoante a articulação afectada. Em regra, tem um inicio insidioso e progressivo e na sua forma mais característica, é desencadeada principal ou até exclusivamente, pelo movimento ou uso excessivo da articulação, acabando o repouso por a atenuar ou a fazer desaparecer. No entanto alguns doentes poderão sentir dores mesmo em repouso, sendo normal observar-se igualmente um aumento da dor após longos períodos de repouso. O doente tem, por exemplo, alguma dificuldade em levantar-se depois de ter estado sentado bastante tempo, situação que surge acompanhada de rigidez articular ( articulação presa ) e que cede em alguns minutos, após o movimento. A dor localiza-se normalmente em torno da articulação atingida, podendo por vezes, ser sentida a alguma distância. Por exemplo, a artrose da anca pode determinar dor na face posterior e lateral da nádega, na coxa ou mesmo na proximidade do joelho (10 % destes doentes, apenas sentem dor na face interna do joelho). A dor sentida a subir ou descer escadas, é particularmente vulgar na artrose do joelho dependente do compartimento femuro-patelar. A artrose da coluna é uma das causas mais comuns de dor no pescoço ou nas costas. A dor articular leva o doente a evitar gradualmente o uso da articulação, dai resultando um enfraquecimento dos músculos satélites e consequentemente a uma maior instabilidade, que vai contribuir para o agravamento progressivo da situação (deformação). Note-se que as articulações mais superficiais, como os joelhos e as dos dedos, podem apresentar deformação causada quer por inflamação e derrame de liquido na articulação, quer pelos osteófitos. Estes últimos são especialmente notórios nas articulações das mãos, originando muitas vezes uma sensação de calor articular. Com o tempo, a articulação poderá mostrar limitação de movimentos, mesmo na ausência já de dor.
No entanto é relativamente frequente, muitos doentes não referirem quaisquer destes sintomas, apesar das radiografias revelarem sinais de artrose avançada das suas articulações.

No diagnóstico da artrose são tidas em linha de conta as queixas referidas pelo doente, com destaque para a localização, duração e características da dor, bem como também para o nível de amplitude articular. Se o exame clinico das articulações afectadas não for suficiente para estabelecer um diagnóstico, certos meios auxiliares de diagnóstico, como as radiografias e a TAC, podem revelar nos ossos e articulações, alterações características da doença.

É profundamente errado o conceito enraizado de que para a artrose e para o sofrimento que lhe está associado, sendo uma consequência inevitável da idade, nada há a fazer para além de suportar as dores e assistir á deformação articular.
Não existem tratamentos médicos que permitam parar ou inverter em definitivo uma situação de artrose. No entanto, é possível nas fases iniciais, diminuir a dor e a rigidez das articulações, bem como melhorar os movimentos e a capacidade geral do indivíduo, proporcionando uma melhor qualidade de vida.
O protocolo terapêutico deverá ser adaptado a cada caso particular, dependendo da gravidade da situação, do numero de articulações afectadas, natureza dos sintomas, idade, ocupação e actividades diárias. A colaboração informada dos doentes, como já mencionado, é uma condição essencial para o sucesso do programa terapêutico.
Estão actualmente em desenvolvimento, medicamentos provavelmente capazes de retardar ou mesmo parar, a evolução da artrose e que encerram grande esperança, de virem a desempenhar um papel decisivo na melhoria dos doentes artrósicos e mesmo na prevenção do agravamento da destruição articular e suas consequências.
É verdade que não dispomos de cura para esta doença, mas com a ajuda dos doentes e o recurso criterioso aos meios de tratamento disponíveis, o especialista pode dar uma ajuda decisiva para a melhoria do estado funcional dos doentes e da sua qualidade de vida. Sem dúvida que vale a pena tratar os doentes com artrose.

Consiste em evitar que as articulações atingidas sejam sujeitas a esforços excessivos, capazes de aumentar a dor ou agravar a doença. O doente poderá aprender a executar tarefas correntes de uma forma mais tolerável e adequada. O emprego de apoio para os membros inferiores ou até mesmo de uma bengala, poderá ser por vezes, extremamente benéfico para os joelhos e ancas. Na coluna vertebral é muito importante o uso de uma postura correcta no trabalho, no lazer e mesmo no repouso, com utilização de um colchão de boa qualidade que nem sempre “ ortopédico “. É determinante manter-se o peso próximo do ideal.

Um programa de exercício físico diário é fundamental no controlo da artrose. Sem ele, as articulações tendem a ficar mais dolorosas e rígidas, os ossos menos flexíveis, os músculos mais debilitados e a situação do doente agrava-se progressivamente. O programa de exercícios deve ser adaptado a cada caso particular. A prática diária de 10 minutos de bicicleta estática, ()em regimen de “ roda livre “, proporciona beneficio consistente na artrose do joelho. A marcha em piscina de água tépida idem. Sugere-se por vezes, o recurso a um centro de recuperação, para ensino do doente.

São formas eficazes de diminuir a dor e a rigidez, ainda que temporariamente. Um banho quente pela manhã poderá melhorar significativamente o sofrimento e a rigidez matinal. Existem formas muito variadas de aplicar calor em áreas articulares dolorosas, no entanto as que recorrem a meios eléctrico-fisiátricos ou relacionados, devem ser interditas. A aplicação de frio ( crioterapia ), ajuda a diminuir a sensibilidade local e a reduzir a inflamação e o derrame intrarticular muitas vezes associado .

Constitui uma atitude da maior importância, já que o peso excessivo determina um esforço adicional para as articulações de carga atingidas.

Existe uma grande variedade de medicamentos capazes de aliviar os sintomas da artrose, o que faz com que nalguns casos, seja preciso tentar vários até identificar-se o mais eficaz. Os analgésicos simples como o paracetamol, são em muitos casos, suficientes para garantir um alivio eficaz e são geralmente bem tolerados. Os anti-inflamatórios não esteroides, como o ibuprofeno e o diclofenac, são muitas vezes necessários, apesar de poderem acarretar alguns riscos secundários maiores do que os analgésicos, em particular para o estômago. Ajudam a controlar a dor, a rigidez e o inchaço das articulações. Dependendo da situação, poderá ser indicada uma toma regular continuada, ou consoante for necessário. Alguns medicamentos disponíveis em Portugal, ditos de acção prolongada, como a acemetacina, têm a capacidade de manter as articulações livres de compromisso de forma mais alongada no tempo. São particularmente indicados na artrose, embora não seja ainda clara a sua capacidade de evitar a evolução da doença. Os derivados da cortisona, administrados por via geral não têm indicação na terapêutica da artrose. Contudo, a injecção ( infiltração) de alguns destes produtos ( efectuada exclusivamente por um médico especialista) em estruturas dolorosas na vizinhança de uma articulação, pode revelar-se extremamente eficaz na melhoria da dor e da rigidez muito incapacitantes. Complementarmente a associação de medicação com função de condroprotecção, quer por via sistémica, como o sulfato de glucosamina ()na dose diária de 1,5 gramas, quer por via intrarticular (viscosuplementação), como o hialuronato de sódio na dose de uma ampola semanal, pode melhorar e até mesmo recuperar, algumas áreas de doença da cartilagem.

No tratamento da artrose, dispomos para as fases intermédias da doença da cartilagem de algumas articulações, da cirurgia prostética para as fases mais graves, o que constitui indiscutivelmente, um dos mais compensadores avanços da Cirurgia Ortopédica moderna.

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