12.12.13

Família Amiga

missing image filePergunta: Na sequência de um processo de divórcio, acordei com o pai do meu filho, de 6 anos, que ficaria eu com a sua guarda; foi regulado o exercício do poder paternal que, entre outras vertentes, estabelece um regime de visitas nos termos do qual o meu filho pernoita em casa do pai um dia por semana. O pai do meu filho está presentemente a viver com uma companheira e não estou satisfeita com o facto de o meu filho ter também de conviver com ela no decurso das visitas que faz ao pai. Posso pedir a alteração do regime de visitas e impedir que estas decorram também na presença da companheira do pai?
R: Cara leitora, pese embora não forneça muita informação concreta sobre a situação jurídica a que se refere, nomeadamente quanto ao concreto regime de visitas e aos restantes termos do acordo quanto ao exercício das responsabilidades parentais relativas ao seu filho, penso poder dar-lhe alguma informação que pode ajudá-la a encontrar a resposta, de acordo não só com o direito, mas também e sobretudo com o interesse do seu filho. 

No entanto, antes mesmo de referir o enquadramento jurídico da situação que coloca à nossa consideração, gostaria que direccionasse a sua reflexão para o seguinte: em qualquer situação de divórcio, o vínculo que é quebrado é o que une os cônjuges, sendo que as relações de cada um deles com os filhos devem ser salvaguardadas, para que estes sofram o menor dano possível. Na verdade, o vínculo parental não se dissolve com o divórcio e não deve bulir com as responsabilidades parentais. 
É certo que qualquer situação de ruptura emocional é conturbada, dolorosa e causa muito sofrimento psicológico. Sê-lo-á tanto mais quanto maior relevância e mais significativa for a relação que se fractura. Por isso, compreende-se que, depois de um divórcio, havendo necessidade de os ex-cônjuges continuarem a relacionar-se por questões relativas à educação de filhos comuns, possam surgir situações em que não seja fácil separar claramente o que foi o relacionamento entre os cônjuges e o que deve ser o seu relacionamento com referência aos filhos que mantêm. Ser capaz de separar as emoções que podem surgir e manter uma atitude racional, pode não ser uma tarefa fácil em todos os momentos, mas é um exercício absolutamente necessário, se o que se pretende é manter um relacionamento saudável entre os pais, o único que é capaz de potenciar um desenvolvimento saudável dos filhos.
Sucede então que, quando um dos cônjuges volta a constituir um novo núcleo familiar, passando a viver com uma outra pessoa, as emoções já vivenciadas no momento da ruptura do relacionamento podem ressurgir no indivíduo que ainda se mantém sozinho e dificultar um raciocínio menos emocional sobre as questões relativas ao exercício das responsabilidades parentais. Pode até não ser esse o seu caso, mas, aproveitando a sua questão, chamo a atenção para essa possibilidade. 
Quando um dos progenitores reorganiza a sua vida familiar, é nela que terá de ser integrada a continuidade das vivências dos filhos que pré-existam e o outro progenitor terá de colocar em prática o exercício de objectividade a que fizemos já referência. No turbilhão das emoções que é natural sentir, deverá procurar, objectivamente, se, e em que medida, o facto de o pai do seu filho ter passado a viver com uma companheira, coloca, de facto, em causa o bem-estar do seu filho. 
A mera circunstância de o pai do seu filho passar a viver com uma companheira, sem mais, não implica qualquer consequência ou alteração ao já determinado quanto ao exercício das responsabilidades parentais e, nomeadamente, no que se refere ao regime de visitas.
É certo que o determinado quanto à forma pela qual deve ser exercido o quadro das responsabilidades parentais, quer seja na sequência de acordo, quer o tenha sido por via de decisão judicial unilateral, pode, a todo o momento, ser alterado. E sempre assim sucederá, se se alterarem as circunstâncias que condicionaram a decisão. E estas podem mudar em função da alteração da situação concreta de um dos pais, de ambos e/ou as necessidades concretas dos filhos.
Porém, o mero facto de um dos progenitores passar a viver com uma companheira, em si mesmo, não é susceptível de impor a alteração do regime de visitas. Na verdade, as crianças têm o direito inalienável de continuar a usufruir da companhia de ambos os progenitores, mesmo se estes decidiram divorciar-se. O seu equilíbrio psicológico e o seu saudável desenvolvimento pressupõem tal convívio, tão frequentemente quanto possível. Ora, se um dos progenitores passa a integrar no seu espaço familiar uma outra pessoa com quem mantém uma relação conjugal, é também nesse espaço que terá de conservar-se o seu relacionamento com o ou os filhos.
É natural que a cara leitora, ao ser confrontada com esta situação nova, se sinta confusa e emocionalmente conturbada, o que pode também estar a suceder com o seu filho. Poderá a criança questionar-se sobre qual o papel que ocupa esta nova pessoa na dinâmica familiar, que emoções suscita no seu pai e na sua mãe e que consequências poderá a sua presença acarretar na sua relação com o seu pai. Porém, em si mesmo, este contexto não justifica qualquer alteração ao regime de visitas: na verdade, quanto mais pacífica e saudável for a integração desta nova pessoa na dinâmica familiar, mais tranquilamente será ela vivenciada pelo seu filho e, consequentemente, menores turbulências ocorrerão no seu estado emocional. Se, pelo contrário, este facto for vivenciado por si de forma perturbadora, corre-se o risco de o seu filho sofrer por si esse mesmo sentimento.
Pode justificar-se uma mudança no regime de visitas sempre que se verifique que está em crise ou em risco a segurança da criança e o seu bem-estar. Ora, pelo que nos reporta, não há notícia de qualquer facto que indique que a presença da companheira do pai do seu filho coloque em causa a segurança ou o bem-estar deste, pelo que, consequentemente, inexiste fundamento para a sua alteração. 
A circunstância de ter colocado a questão faz supor que ter de conviver com esta nova situação de forma serena não lhe é fácil. Mas neste caso, como em muitos outros em que a nossa intervenção é solicitada, só posso relembrar-lhe que o esforço que tenha de fazer é altamente compensador se mantiver em presença o interesse e o bem-estar do seu filho, desejando que, por essa via, mantenha uma atitude positiva e construtiva.

Ana Carla Mendes de Almeida

Magistrada do Ministério Público

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