“Quando os tempos são difíceis, os alimentos processados,
com altos teores em gordura e açúcares, e baixo valor em nutrientes essenciais,
tornam-se na maneira mais barata para encher estômagos vazios. Estes alimentos
contribuem para a obesidade e doenças crónicas baseadas na dieta, além de
inibir as crianças dos nutrientes essenciais. Mas há outras ameaças para a
saúde que necessitamos de antecipar, em tempos de crise económica. … Também
sabemos, que as mulheres e crianças estão entre os primeiros a serem afectados
pela deterioração das circunstâncias financeiras e disponibilidade alimentar.
As mulheres estão entre as últimas a recuperarem quando as condições melhoram.”
Drª Margareth Chan, Directora Geral da Organização Mundial
de Saúde, 18.03.2009
Ao longo dos tempos, as mais cruéis e bárbaras acções têm
sido usadas relativamente a estas frágeis plantas da sociedade: as crianças. Só
muito recentemente, com os avanços propostos principalmente pela civilização
judaico-cristã, a criança passou a ser considerada, na sociedade, digna de
amor, cuidado, protecção, educação, abrigo, alimentação, a crescer num clima de
paz e fraternidade universais. Quando, em 1950, a Federação Democrática
Internacional das Mulheres propôs às Nações Unidas a criação de um dia dedicado
às crianças, não encontraram imediatamente acolhimento para a ideia que visava
alertar para a precária condição da criança no mundo. Só em 1959 é que alguns
países deram o apoio e aprovaram a Declaração Universal dos Direitos da
Criança. No entanto, de todas as declarações universais, e entre todas as
instituições agregadoras das nações em busca de consenso e actuação conjunta,
esta tem sido, regularmente, espaço de incumprimentos. A UNICEF goza mesmo, em
alguns sectores e sensibilidades, de uma conotação negativa, tendo-lhe sido
constantemente amputados recursos para actuar em prol da dignificação da
criança. Há 20 anos (em 1989, quando a declaração cumpria 30 anos de vida) a
ONU aprovou a “Convenção sobre os Direitos da Criança”, com um conjunto de leis
que expressam em 54 artigos a evolução do pensamento mundial sobre a condição
da criança.
A exploração actual
das crianças.
Assim, e aparentemente, existe um caderno de boas intenções
que parece colher a concordância da maior parte das nações. No entanto, não é preciso
ir muito longe, nem para países muito distantes, para percebermos que as boas
intenções nem sempre deixam a letra do papel, para se tornarem em princípios de
vida. A exploração da criança e a precarização das suas condições de vida
assumem contornos antigos mas mais sofisticados e horríveis. Contra este
flagelo, as sociedades são lentas nos processos de declaração de culpa, e ainda
mais em conter os prevaricadores. A utilização das novas tecnologias permite
hoje uma terrível, insuspeitável e desastrosa entrada no espaço de intimidade e
reserva das crianças, com a exploração virtual por vários meios e com
diferentes objectivos.Quando falamos de exploração (actual) das crianças, não
nos devemos ficar pelos aspectos mais odiosos, mas sim olhar para todas as
vertentes da questão. Existem formas de exploração socialmente aceites, que nos
iludem relativamente ao nosso papel de defesa dos direitos das crianças.
Princípios da
convenção sobre os Direitos da Criança
Princípio I – Direito à igualdade, sem distinção de raça,
religião ou nacionalidade.
Princípio II – Direito a especial protecção para o seu
desenvolvimento físico, mental e social.
Princípio III – Direito a um nome e a uma nacionalidade.
Princípio IV – Direito à alimentação, morada e assistência
médica adequadas para a criança e a mãe.
Muitas m ães nem sequer sabem que o aleitamento materno é
essencial.Princípio V – Direito à educação e a cuidados especiais para a
criança física ou mentalmente deficiente.Princípio VI – Direito ao amor e à
compreensão por parte dos pais e da sociedade.Princípio VII – Direito à
educação gratuita e ao lazer infantil.Princípio VIII – Direito a ser socorrido
em primeiro lugar, em caso de catástrofes.Princípio IX – Direito a ser
protegido contra o abandono e a exploração no trabalho.Princípio X – Direito a
crescer dentro de um espírito de solidariedade, compreensão, amizade e justiça
entre os povos.
A criança: objecto
actual de exploração financeira
Referimo-nos, principalmente, neste contexto, a dois
aspectos: por um lado, as crianças são objecto de exploração através de uma
série de produtos processados, cujo consumo lhes é induzido pela máquina de
marketing, e cujo fabrico não está condicionado ao bem-estar da criança, mas
sim ao lucro do mundo empresarial; por outro lado, aos estilos de vida que não
favorecem o seu bem-estar, colocando as crianças à margem de um desenvolvimento
harmonioso, conducente ao seu bem-estar presente e futuro, mas que novamente é
fonte de lucro do mundo económico.
Infelizmente, muitos pais não têm tempo para se inteirarem
daquilo que está a acontecer com os seus filhos, sendo depois surpreendidos
negativamente quando uma doença crónica, como a diabetes tipo II, se declara. Cada
vez mais crianças, com idades mais baixas, são portadoras desta doença e de
outras perturbações que desqualificam a sua qualidade de vida, como directa
consequência de serem objecto de exploração. Em antecipação à emergência de uma
doença desta natureza está, na maior parte dos casos, uma alimentação errada
que, associada à sedentariedade, conduz à obesidade infantil. É neste quadro
que importa falar – muito concretamente – dos direitos das crianças. Talvez
estejamos a vencer a batalha do trabalho infantil! Talvez se façam ouvir as
vozes contra os maus tratos infligidos às crianças, aos níveis psicológico,
físico, moral. Mas poucas vozes se ouvem em defesa do direito das crianças a
uma alimentação correcta, a um estilo de vida saudável. Dizia-me recentemente
uma colega, directora executiva de um ACES, que um pai lhe tinha solicitado que
passasse uma declaração relativamente ao seu filho, para que não comesse sopa
na escola (básica), pois “era alérgico à sopa”. Assistimos nas cantinas
escolares à recusa sistemática de alimentos como vegetais, frutas e sopa, em
detrimento de fritos, enchidos, carne e peixe. Longe do controlo dos pais, as
crianças assumiram a sua afirmação no que gostam e não gostam de comer e de
beber. As consequências são, assim, devastadoras para o seu bem-estar,
comprometendo o seu futuro. Em Portugal, 31,5% das crianças entre os 9 e os 16
anos são obesas ou sofrem de excesso de peso. Esta situação é mais grave nos
meios urbanos.Uma das consequências desta situação é a redução da esperança média
de vida – previsões que já foram feitas. Aliás, nos países ocidentais, pela
primeira vez nestes últimos anos, a esperança média de vida – ao contrário do
que aconteceu durante décadas, em que se constatou o seu aumento sustentado –
começa a dar sinais de inversão. Estas crianças irão viver menos tempo, com
menos qualidade de vida do que os seus pais. É a sociedade a andar para trás!
Preocupados com a pandemia da gripe (como foi referido nesta
edição noutras páginas), esquecemo-nos que a OMS considera a obesidade infantil
uma epidemia mundial. As suas causas estão bem identificadas e a cura está
estudada e documentada. Ela prende-se com os hábitos alimentares e a actividade
física. A emergência de doenças cardiovasculares mais cedo na história de vida
destas crianças, os efeitos da diabetes tipo II, os distúrbios da
personalidade, consequência da auto-imagem, provocando uma dissonância
cognitiva com o padrão prevalecente na sociedade de beleza (e magreza) são
problemas esperados, mas que já hoje podem ser encontrados. Embora este seja um
problema que caracteriza as crianças, ele é, no entanto, transversal a todas as
idades: é estimado pela OMS que 2,7 milhões de mortes sejam causadas pelo baixo
consumo de frutos e vegetais no mundo. E, para além destas, 1,9 milhões de
mortes são causa directa de falta de actividade física.
Benefícios da Ho La
para os seus filhos:
Tomar conta de uma horta aumenta a literacia em saúde e
reforça o surgimento de várias competências nos seus filhos:
Responsibilidade – no cuidado e manutenção das plantas.
Melhor saúde – combate da obesidade, diabetes, doenças
cardiovasculares, asma (entre outras).Economia – a apreciação dos gastos da
família em alimentação, e a comparticipação da horta do lar para diminuir esses
gastos, permitirá à criança uma maior sensibilidade pela economia do lar,
ajudando-a, assim, a ser uma melhor gestora de recursos financeiros. Estabeleça
um “deve-haver” da horta, no qual coloca os gastos e os compara com os lucros
obtidos, de modo a apontar soluções práticas e úteis para combater a crise
económico-financeira. Se a sua família não foi afectada pela crise, proponha
com o seu filho ajudar uma família necessitada com os produtos da sua horta.
Isto faz crescer nele ...Sensibilidade/solidariedade social – para o drama dos
outros, e menos queixas sobre a sua condição de vida.
Compreensão – aprendem da causa para o efeito (sem água as
plantas morrem, as plantas têm competidores nas ervas daninhas
que é preciso retirar, etc.).
Auto-confiança – ao verem os seus objectivos cumpridos e
apreciando a comida que fizeram crescer. Amor e respeito pela Natureza – com
uma estação de compostagem, aprendem a respeitar o ciclo natural dos produtos
na Natureza, aumentando a sua sensibilidade para menos desperdício.
Crescimento científico e raciocínio – aprendem sobre a
ciência, botânica, nutrição, agricultura, controlo de pestes, gestão da água e
seu ciclo, etc… Actividade física – é agradável e simultaneamente produtiva. Cooperação
– trabalho de equipa e participativo. Criatividade – descoberta de maneiras
novas e engraçadas de fazer crescer a comida. Nutrição – aprendendo sobre
recursos naturais para comida fresca.
É possível sair da
crise
A despeito de tão nobres e louváveis intenções, a verdade da
nossa civilização é que a condição da criança continua a ser desprezada,
podendo nós falar de uma CRISE que é pré-existente à crise de que tanto se fala
por estes dias. Talvez também por isto seja ainda mais pertinente atentarmos
para as soluções práticas que estão ao nosso alcance, já hoje – e não só num
futuro distante – de modo a estabelecer prioridades para banir todas as formas
de exploração infantil.
Soluções bem simples têm impactos de grande alcance, sem
necessitar de tanto financiamento quanto outras medidas a ser tomadas actualmente.
As questões relacionadas com a alimentação emergem no topo
da agenda, pois as consequências do que se faz pelas crianças são visíveis
particularmente em dois extremos do mesmo contínuo: por um lado, a obesidade
infantil e, por outro lado, as carências alimentares das crianças. Estas
carências podem ser de dois tipos: involuntárias, como, por exemplo, a fome por
escassez de alimentos; voluntárias, com a exclusão pró-activa de alguns
alimentos da sua dieta, nomeadamente água, vegetais e fruta.
Quando são identificados problemas graves, deveríamos
procurar soluções urgentes de modo a atacar imediatamente as suas
consequências. Por esta razão, a S&L concentra-se, neste mês, em promover a
condição da criança, focando duas soluções que estão ao alcance da sociedade,
dos pais e familiares, das comunidades onde as crianças nascem, crescem e se
desenvolvem. São soluções baseadas na evidência científica que revelam a sua
pertinência em tempos de crise, para resolver uma CRISE persistente e de muito
maior alcance.
Medida 1 de combate à
obesidade infantil: a água
A história é muito simples: cada vez mais crianças preferem
bebidas gasosas, com altos teores de açúcar, à água! Os consumos de água são,
assim, baixíssimos e as crianças têm uma tendência natural para rejeitar o seu
uso.
Preocupados com isto, investigadores na Alemanha envolveram
32 escolas num estudo aleatório controlado, em zonas carenciadas. Foram
instalados bebedouros em 17 escolas, dadas quatro aulas sobre os benefícios da
água. Estas escolas foram comparadas com um outro grupo de 15 escolas, onde
nada disto se fez e se manteve o que já havia. Os 1641 alunos que foram alvo da
intervenção foram comparados com os 1309 alunos que não receberam a
intervenção. Depois desta intervenção concluiu-se que o risco de obesidade
tinha diminuído 31% nos alunos no grupo experimental. Uma medida tão simples,
como informar as crianças e disponibilizar água em bebedouros, baixou de modo
impressionante o risco de obesidade. Com isto se demonstra, mais uma vez, algo
que já se sabia: o papel da água no combate à obesidade.
Medida 2 de combate à obesidade infantil: Projecto HoLa
É comum ouvir-se as crianças a rejeitarem a ingestão de
vegetais e frutas.
Num estudo envolvendo o desenvolvimento de uma horta, na
Universidade de Saint Louis, liderado por Debra Haire-Joshu, directora do
programa da universidade no âmbito da prevenção da obesidade, foi revelado que
o crescimento de vegetais e frutas no contexto de uma horta de família,
aumentava o seu consumo pelas crianças.
Mas o benefício de plantar uma horta com as crianças vai
ainda mais além: de acordo com uma outra investigação, liderada por Jennifer L.
Morris e Sheri Zidenberg-Cherr, do Departamento de Nutrição da Universidade da
Califórnia, concluiu-se que as crianças não só aumentam os seus conhecimentos
(a longo prazo relativamente à importância dos vegetais e frutos), como ainda
ficam mais disponíveis para comer vegetais e frutas que não tenham sido
plantados na sua horta. Este dado é muito importante, na medida em que
demonstra a capacidade de mudança de percepção e atitude das crianças
relativamente à ingestão destes alimentos. Assim se pode contrabalançar a
preferência das crianças por alimentos refinados, fritos e alimentos
processados, que têm uma influência directa no controlo do peso.
Por outro lado, a sedentariedade e actividades que não
exigem esforço físico são uma ameaça séria sobre o bem-estar das crianças
(implicando no aumento de peso). Vários estudos vieram demonstrar que a
plantação de uma horta do lar, em que a família se reúne e partilha de modo
inter-geracional da mesma actividade, é um factor importante para o controlo da
obesidade infantil, pois predispõe a criança para a prática de actividade
física.
É neste sentido que a Agência de Saúde Pública do Canadá,
apoiada por inúmeros estudos, propõe aos cidadãos que optem pela manutenção de
uma horta do lar, facilitando assim a prática de actividade física das
crianças.
Por isso siga as nossas sugestões e prepare uma horta
(Projecto HoLa, Horta do Lar) com os seus filhos. Faça disso um passatempo
agradável, de actividade familiar ao ar livre.
REGRAS DE SEGURANÇA ‹ seleccione o tamanho ideal (para
começar, 4m2 podem ser uma boa aposta, depois de cuidados e mantidos, vá então
acrescentando mais espaço mas sempre em negociação com as crianças);‹
proponha-se a uma agricultura orgânica, afastando do alcance das crianças
sprays, fertilizantes ou outros;‹ não use químicos;‹ providencie um local
seguro para a armazenagem dos utensílios da horta;‹ monte uma cerca e uma
pequena porta;‹ no Verão e dias de sol, providencie sombra;‹ proponha às
crianças o uso de botas, protector solar, chapéu e roupas adequadas à estação;‹
tenha cuidado com bacias e outros contentores de água se tiver crianças de
pouca idade, pois sendo atraídos pela água podem afogar-se.
Como envolver as crianças na HoLa
Mantenha o projecto simples e pequeno (por exemplo, a
estação de compostagem pode ter 50cm de diâmetro, feita com uma rede de
galinheiro com a altura do seu filho mais pequeno).
• Dê às crianças o seu espaço próprio para a HoLa, escolhido
por elas e do tamanho que desejam.
• Envolva-se (seguindo as instruções do seu filho) e envolva
os amigos dele (não num papel de subserviência mas de cooperação mútua), no
desenho da horta e decisão do que semear e plantar.
• Procure ferramentas de jardim do tamanho das crianças,
leves e fáceis de usar.
• Encoraje as crianças a cavar no lixo, na lama. As crianças
adoram mexer na lama.
• Faça crescer plantas interessantes, como girassóis, milho,
abóboras, tomates.
• Plante flores que atraem borboletas, pássaros e outros
insectos.
• Construa espantalhos.
• Instale um relógio do sol, ou pequeno alguidar com água,
para os pássaros se banharem.
• Ponha em marcha um canteiro de crescimento de minhocas.
• Visite outras hortas e jardins para retirar ideias.
Luís Nunes
Sociólogo da Medicina e da Saúde Mestre em Saúde Pública
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