A inactividade física tornou-se numa preocupação crescente da Europa. Os ganhos obtidos através da actividade física moderada incluem uma redução substancial na mortalidade prematura, na obesidade, tensão arterial, doenças cardiovasculares, da diabetes não dependente da insulina, osteosporose, e ainda numa melhoria da disposição e da auto-estima e um melhoramento significativo da postura e da aparência. No entanto, a realidade não é encorajante. Por exemplo, em 1990 num inquérito nacional desenvolvido em Inglaterra, foi demonstrado que um terço dos adultos está a viver vidas inactivas, e esta proporção está a aumentar com a idade. Um inquérito da saúde abrangendo os jovens, incluindo 19 países da região, revelou que, em 1993-4, entre 60% e 90% dos rapazes entre 11 e 15 anos e 40% a 80% das raparigas da mesma idade, praticavam exercício físico vigoroso duas ou mais vezes por semana. O risco da inactividade física provavelmente aumentará na maioria dos países com tendências para um estilo de vida mais sedentário. Em certos países, os níveis da inactividade são tão grandes que não é possível manter uma dieta adequada em micronutrientes sem que isso leve a um peso excessivo.
4.2.1. Meta nº 11: Saúde para todos durante o século XXI. Política de Saúde para Europa – OMS Copenhaga – 1997 Tradução
Série Vida Abundante - Soluções simples para problemas complexos
Iniciamos este mês uma série de artigos que terá decisivas consequências sobre a sua saúde e bem-estar. Queremos que viva abundantemente!
Mas o que é vida abundante? Não procuremos para já uma definição, pois ela terá tanto de subjectivo quanto as experiências de vida de cada pessoa. Então consideremos uma abordagem por antónimos: vida abundante contrasta com esgotamento, ausência de algo de que sentimos falta.
A Saúde: Um Capital
Imagine a sua saúde como um bem, um capital. Um capital que recebe à sua nascença e que a partir desse momento vai movimentar, investir, descapitalizar, re-investir, trocar, hipotecar, multiplicar…
Enfim, todas as contas da economia se aplicam à sua saúde. Mas uma regra base de qualquer boa economia é que qualquer capital – incluindo este capital humano – só manterá o seu valor se estiver em movimento. Parado não o levará a lado nenhum; antes pelo contrário, rapidamente se degrada, perde o seu valor e compromete … que viva abundantemente.
Pare um pouco para pensar agora nas suas poupanças, como vai investir o seu dinheiro!
Já pensou?
Agora identifique o fundo de poupança, o PPR, o pacote financeiro em bolsa que mais rendimento pode dar ao seu dinheiro.
Já identificou?
Pois de que valerá todo esse ganho financeiro se não tiver saúde para usufruir dessa capitalização? Mas podemos ir mais longe ainda: qual é o preço de uma vida abundante? Uma vida onde se sinta realizado? Pois… é isso mesmo, não tem preço. Assim podemos dizer que:
(1) estamos perante um bem (a saúde) que não tem preço, (2) um bem que pode capitalizar e ajudar-nos a viver abundantemente ou (3) que nos pode levar à ruína, requerendo todos os nossos (outros) bens para acrescentar alguma vida, já que a vida abundante nos escapa.
Como é que se sente de saúde?
Quando perguntamos a um dos maiores grupos populacionais de Portugal, os habitantes da região de Lisboa e Vale do Tejo, como se sentem de saúde (de acordo com os dados do último Inquérito Nacional de Saúde que estão disponíveis) constatamos algo que é perturbador: mais de metade das pessoas recusa responder a esta questão. E, das que respondem, a maior parte não tem uma saúde abundante (pois 3 em cada 4 dos que respondem consideram a sua saúde razoável, má ou muito má). É das questões de carácter geral com uma das mais elevadas taxas de não resposta. Porque será? Se os que não quiseram responder se sentissem com saúde abundante teriam alguma relutância em responder? Pensamos que não. Provavelmente, entre as 6832 pessoas que se recusaram responder (numa amostra de 13 587) haveria eventualmente algum desconforto em responder a esta questão.1
Uma das conclusões que a teoria do capital humano determinou é que as pessoas não procuram cuidados de saúde (per se) mas procuram antes a saúde. E a procura pela saúde, não se realiza por causa da saúde (per se) mas porque a saúde é esse capital que permite às pessoas participar na vida: conviver com os familiares, amigos, divertir-se, rir, reproduzirem a sua existência nos filhos, nos sonhos, nas viagens, no pôr do Sol, no voo do pássaro que se perde no horizonte, no trabalho, no amor, na alegria, na aventura ….
Mas, novamente, como se consegue usufruir de tudo isto se estiver ausente o capital humano da saúde?2
Mushkin chamou a atenção para o facto de que a formação do capital humano se origina no facto de que as pessoas aplicam os seus investimentos no aumento desse capital, pensando nos benefícios futuros que daí retirarão.3
Esta conclusão ajuda-nos a precavermo-nos da tendência que temos de confundir saúde com serviços de saúde: equívoco de pesadas consequências. A condição básica para ter saúde, ou se preferirmos vida abundante, não é termos bons serviços de saúde. Esses serviços têm o seu papel. Podem ser considerados como um factor de consumo (e por isso nas sociedades ocidentais existe uma tendência à restrição do seu uso – vejam-se as taxas moderadoras – pois os custos desses cuidados de saúde estão a atingir proporções insustentáveis para as economias que lhes deram origem). Mas são também um factor de investimento com externalidades importantes (beneficiando outros). Este é o caso, por exemplo, da vacinação: sendo ela assumida pelo Estado (Plano Nacional de Vacinação), revela que os benefícios sobre os outros são de tal maneira importantes que não cabe ao indivíduo suportar os seus custos (uma vacina contra a polio não só protege aquela criança que a tomou, como evita que no futuro uma série de pessoas na sociedade se tornem reféns da sua condição de saúde precária). Mas para ter vida abundante é preciso ir muito mais além.
A questão central que se coloca nesta destrinça, de que saúde e vida abundante não se resume aos serviços de saúde, levou a procurar perceber como é que as pessoas reservam recursos para investir em saúde. A ideia fundamental que surge é que cada um é produtor de saúde, e não só seu consumidor.
Um Novo Conceito: O Capital Humano de Saúde
Assim foi removida a separação entre consumo e produção no campo da saúde, passando nós a ter este conceito interessantíssimo de capital humano de saúde.
Resumindo, poderíamos então afirmar que vida abundante é a maximização da capitalização do bem saúde.
Imagine então que em vez de dinheiro, tem uma conta bancária de saúde: pode fazer depósitos diários, como levantamentos. Pode criar um fundo de reserva, como gastar todo o seu capital de uma só vez. Assim, a arte para viver abundantemente é entender as regras deste mercado da saúde e fazer investimentos para garantir um fundo de maneio permanente com repercussões no futuro.
No entanto, neste raciocínio aparentemente irresistível e intocável, surge o FACTOR HUMANO: existe um dado imprevisível nesta abordagem, pois os seres humanos não valorizam a saúde acima de tudo. Se assim não fosse, como conseguiríamos compreender comportamentos como conduzir sem cinto de segurança ou fumar? A conclusão que se retira deste paradoxo é que todos os bens de capital (e já vimos que a saúde é um deles) têm um custo que nem sempre e nem todos estão dispostos a pagar.
Para o condutor sem cinto, trata-se de se sentir livre, e ele não abdica dessa liberdade em nome da saúde. Para o utilizador de tabaco, trata-se de sentir a chicotada da nicotina no cérebro e as sensações que isso lhe causa, que ofuscam totalmente o capital da saúde, numa perspectiva de médio e longo prazo.
É aqui que temos que parar e fazer contas à vida: podemos, através de uma aventura pela liberdade, descapitalizar brutalmente e repentinamente a nossa vida com um acidente fatal, porque não levávamos o cinto posto? Ou, então, cigarro após cigarro, ir gastando o nosso capital da saúde até nada mais nos restar? E podemos até dizer que ninguém tem nada a ver com isso, pois somos livres de usar esse capital da saúde como bem entendermos. E isso é verdade!
Temos realmente razão, mas… e as externalidades dessa nossa liberdade? Isto é, e as consequências colaterais de conduzir sem cinto? Tínhamos entrado em linha de conta com o facto de que desse modo deixamos uma família que nos amava? Ou ao ficarmos numa cadeira de rodas – pois do acidente resultou uma tetraplegia – teríamos que contar com a saúde de outrem (isto é com o seu capital próprio, pois o nosso foi desbaratado num acidente) para nos ajudar a viver?
E a vida abundante, onde é que ela ficou nessa cadeira de rodas, ou nesse cigarro fumado? Estamos assim prestes a tocar no centro da nossa questão.
Não precisamos de ir mais longe: para vivermos uma vida abundante, necessitamos de fazer da saúde um capital (que é também um bem escasso) que merece os melhores investimentos que possamos fazer e que estão ao nosso alcance.
Seria como tecer uma corda para aguentar com a maior carga possível: para o conseguir só temos de ir acrescentando fio após fio à corda, tornando assim esses fios, facilmente quebráveis, num pedaço de corda altamente resistente.
Vamos então acrescentar o primeiro fio, para capitalizar uma vida abundante.
De acordo com o estado do avanço científico sobre como se alcança isto, no sentido de vivermos uma vida abundante, o que está REALMENTE ao nosso alcance em primeiro lugar, resume-se a uma palavra de poucas letras AFiProS, ou seja, Actividade Física PROmotora de Saúde.
Parado Não Vai Longe
A AFiProS é crucial para viver uma vida abundante. Isto porque qualquer capital parado, perde valor. Esta regra fundamental de incremento de qualquer capital financeiro aplica-se à saúde. Se tivermos em conta as orientações da Organização Mundial de Saúde para a região europeia, no topo da agenda para a saúde surge o conceito de actividade física promotora de saúde ou AFiProS.
1) Distribuição dos inquiridos de acordo com a sua avaliação do estado de saúde p2_1 (n=13.587,). Fonte: INS 1995-1996 -LVT
2) Grossman, M. The Demand for Health. National Bureau of Economic Research, Occasional Paper No. 119. New York: Columbia University Press, 1972.
3) Health as an Investment, Selma J. Mushkin, Journal of Political Economy, Vol. 70, No. 5, Part 2: Investment in Human Beings (Oct., 1962), pp. 129-157
Luís S. Nunes
Sociólogo da Medicina e da Saúde
Mestre em Saúde Pública
Sem comentários:
Enviar um comentário