Actualmente, as listas de dieta falam muito sobre o índice
glicémico (IG) dos alimentos. Para compreender do que se trata, é preciso ir
até à raiz do assunto e definir bem o que são os hidratos de carbono, uns dos
principais componentes da alimentação.
Os hidratos de carbono são macromoléculas constituídas por
carbono, hidrogénio e oxigénio, na proporção de um átomo de carbono, para um de
oxigénio e dois de hidrogénio. Eles são encontrados em abundância no reino
vegetal, geralmente formando compostos cíclicos que se unem uns aos outros por
ligações que podem ser do tipo alfa 1-4, alfa 1-6 e beta 1-4. As ligações do
tipo alfa podem ser desfeitas por enzimas geralmente produzidas no organismo
humano. Já a ligação do tipo beta requer hidrólise por enzima específica não
produzida no metabolismo humano. As moléculas assim unidas são classificadas e
não podem ser digeridas e absorvidas.
Assim, o hidrato de carbono pode conter estrutura digerível
ou indigerível, segundo o tipo de ligação existente entre as unidades que o
compõem. O polissacárido digerível mais abundante no reino vegetal é o amido,
composto por estruturas associadas por ligações do tipo alfa. Nos animais, o
glicogénio é o exemplo do polissacárido predominante contendo ligações do tipo
alfa. Entre os polissacáridos indigeríveis pelas enzimas digestivas humanas
encontramos a celulose, a hemicelulose, a pectina, as gomas e as mucilagens. As
duas primeiras são classificadas como fibra insolúvel e as últimas como fibra
solúvel em água por assim se comportarem em meio líquido sob aquecimento.
Adicionalmente, os hidratos de carbono também podem ser
encontrados em unidades simples, como glicose, frutose e galactose,
classificados como monossacáridos, sem estar ligados uns aos outros. Também
podem estar presentes na forma de dissacáridos, os quais contêm duas unidades
de monossacáridos associadas entre si por ligações do tipo alfa. Tome-se como
exemplo a sacarose (glicose-frutose), a lactose (glicose-galactose) e a maltose
(glicose-glicose) – sendo esta última produto da digestão parcial do amido. Os
monossacáridos e dissacáridos, por apresentarem digestão enzimática
simplificada, são conhecidos como hidratos de carbono simples. Já o amido e o
glicogénio são tidos como hidratos de carbono complexos.
A função prioritária do hidrato de carbono digerível no
organismo humano é produzir energia, resultando em dióxido de carbono e água. O
monossacárido glicose, especificamente, é o combustível fundamental para as
actividades cerebrais. A sua redução no sangue resulta na fome “fisiológica”.
Parte do hidrato de carbono também pode ser empregue na síntese de outras
moléculas orgânicas. Já o hidrato de carbono indigerível apresenta várias
actuações entre as quais se destacam a redução na absorção de lipídios,
minerais, no tempo de libertação da glicose a partir do bolo alimentar e o
aumento de peso e no volume de fezes.
Altos, médios e
baixos
A velocidade com que as moléculas de glicose atingem a
corrente sanguínea após a ingestão de determinado alimento foi definida
originalmente como sendo o índice glicémico do alimento. A sua determinação é
feita mediante a comparação entre a glicemia obtida após a ingestão de 50g de
hidrato de carbono do alimento de interesse com a do alimento referência. Esse
alimento referência pode ser tanto a glicose, como o pão branco, os quais
apresentam valor igual a 100 para o IG.
O índice glicémico dos alimentos pode ser classificado em
alto, médio ou baixo. Os alimentos de IG mais alto são aqueles com índice maior
ou igual a 70, como o pão branco, flocos de milho e batatas fritas. Os
alimentos com índice glicémico médio apresentam valores entre os 56 e 69. A
pizza e o queijo, por exemplo, são alimentos representantes desse grupo. Em
contrapartida, os alimentos integrais e as frutas estão no grupo de alimentos
com baixo índice glicémico, com valor igual ou inferior a 55 (veja mais
exemplos no quadro).
A glicose dos alimentos com baixo IG tem absorção lenta no
organismo enquanto aquela contida em alimentos com alto IG apresenta rápida
absorção. A importância do domínio do conhecimento do IG está relacionado com o
facto de que a velocidade de absorção da glicose tem efeito na resposta
insulínica, além de proporcionar a fermentação do hidrato de carbono no trato
intestinal pelos microorganismos.
Carga glicémica
Estudos de consumo alimentar revelam uma crescente
participação de alimentos com alto IG na dieta, em especial do açúcar refinado.
Houve um aumento significativo na ingestão de biscoitos, doces e guloseimas com
altos teores de hidratos de carbono simples. Essa ingestão de hidratos de
carbono simples está relacionada com a incidência da obesidade.
O IG é considerado como sendo um indicador indirecto da
disponibilidade da glicose. Ele fornece informação sobre a qualidade do hidrato
de carbono em detrimento da quantidade. Entretanto, os alimentos geralmente não
são ingeridos de forma isolada e sim combinados com outros, na forma de
preparações e refeições. Neste caso, o termo carga glicémica (CG) corresponde
ao efeito glicémico de uma determinada preparação. A estimativa da CG é
calculada mediante a multiplicação do IG do alimento pela quantidade de hidrato
de carbono digerível na preparação ou refeição e dividido por 100 para obter o
valor estimado da CG.
A importância do cálculo da CG é que quanto maior for este
indicador, maior será a resposta glicémica e, consequentemente, será necessária
maior resposta insulínica por parte do organismo, uma vez que a insulina é
responsável pela remoção do excesso de glicose livre na corrente sanguínea. Uma
refeição é considerada como sendo de baixa CG quando o seu valor é igual ou
inferior a 10. Por outro lado, valores de CG iguais ou superiores a 20
classificam a refeição como sendo de alta CG.
IG sob controlo
Epidemiologicamente, tem sido verificado o aumento dos
índices de doenças cardiovasculares, diabetes e obesidade dos indivíduos com
dietas ricas em energia, no forma de hidratos de carbono simples com alto IG. A
formação de depósitos de gordura é estimulada, resultando no aumento de tamanho
das células de gordura, enquanto as dietas com baixo IG inibem essa resposta.
Em contrapartida, é conhecido que a quantidade de amido e de
polissacáridos indigeríveis na alimentação, como a fibra dietética, é um dos
factores que influenciam na resposta glicémica. A razão da velocidade de
digestão e absorção da glicose pode determinar o controlo de doenças não
infecto-contagiosas.
Assim, o domínio e aplicação do IG dos alimentos mostram-se
de fundamental importância na saúde pública. Vale a pena ficar de olho nesse
índice e procurar equilibrar os alimentos ingeridos.
O bom e o vilão
O IG é influenciado pelo conteúdo de fibras, pelo grau de
processamento dos alimentos, pela estrutura física de outros nutrientes e
também pela estrutura do amido contido na refeição. Este último apresenta a
digestão das suas unidades componentes influenciada por diversos factores.
A cozedura de alimentos contendo amido em quantidade de água
suficiente, propicia a gelatinização do amido. Durante o arrefecimento, o amido
gelatinizado forma uma crosta ou película de revestimento na superfície do
alimento, processo conhecido como retrogradação. A retrogradação torna-o
resistente, ao menos em parte, às enzimas digestivas. Assim, o amido
retrogradado é menos digerível e tem o seu IG reduzido. Entretanto, no âmbito
industrial a retrogradação do amido é alterada mediante processos químicos.
Esse tipo de amido modificado apresenta características distintas no que se
refere à formação de gel e retrogradação, com redução na formação de crosta ou
película na superfície do alimento após o cozimento.
Dessa forma, o amido modificado apresenta IG maior em
relação ao amido não modificado. A aplicação do amido industrial em alimentos é
ampla e diversificada, sendo útil especialmente em produtos de panificação,
massas, caldas e outros. Entre as vantagens tecnológicas do amido modificado
está o facto de ser pouco alterado em função da temperatura de armazenamento,
podendo ser usado em pratos prontos congelados.
Kesia Diego Quintaes
Nutricionista in Vida & Saúde
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