16.11.13

Fome Oculta


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Em muitas sociedades é verificado um padrão dietético com alto conteúdo de gorduras totais, colesterol, açúcar refinado e baixo teor de fibra alimentar. Assim sendo, nos últimos anos, a deficiência de vitaminas e minerais (micronutrientes) na alimentação está a ganhar importância como problema de saúde pública em relação à deficiência de macronutrientes,
a saber, proteínas, hidratos de carbono e lípidos. Tal facto tem vindo a chamar a atenção dos profissionais
e das autoridades de saúde em todo o mundo. O termo “fome oculta” é aplicado para definir essa carência não explícita de um ou mais micronutrientes.

O défice de vitaminas e minerais é, infelizmente, mais comum do que se pode pensar. A fome oculta pode atingir qualquer pessoa, independentemente da classe social ou do estágio da vida. Basta que a alimentação seja inadequada em quantidade e qualidade nutricional. Estudos epidemiológicos realizados têm mostrado elevada prevalência de deficiência de vitaminas e minerais em populações com baixa proporção de desnutridos.
Alimentação desequilibrada
Tem sido constatado que a alimentação das pessoas, em especial daquelas que moram em centros urbanos, é geralmente pobre em frutas, verduras, legumes e cereais. Por outro lado, é alto o teor de gordura e açúcar encontrado em doces, fritos e refrigerantes, alimentos consumidos com frequência elevada. Embora esses alimentos apresentem alto valor energético, são pobres em micronutrientes, facto que pode ocasionar a deficiência de certas vitaminas e minerais indispensáveis ao funcionamento adequado do organismo.A título de exemplo (veja quadro), pode ser observada a diferença entre os valores nutricionais do açúcar refinado, produto que apresenta consumo elevado, tanto por já estar incluído industrialmente nos alimentos como por ser adicionado pelo consumidor, e os valores nutricionais do açúcar mascavado, produto não refinado e de baixo consumo.Pode ser notado que o açúcar mascavado possui teores de ferro, cálcio e fósforo superiores aos contidos no açúcar refinado, o qual apresenta maior teor de hidratos de carbono e energia. Sob o aspeto nutricional, o açúcar mascavado é uma boa alternativa para a substituição do açúcar refinado, o qual apresenta alto teor energético, sendo nulo nos outros nutrientes indispensáveis à saúde.
Composição nutricional do açúcar refinado e do açúcar mascavado
Açúcar refinadoAçúcar mascavado
Energia (kcal)398,0356,0
Hidratos de carbono (g)99,590,6
Proteínas (g)ZERO0,40
Lípidos (g)ZERO0,50
Cálcio (mg)ZERO51,0
Ferro (mg)ZERO4,2
Fósforo (mg)ZERO44,0
Fonte: Franco, G., Tabela de Composição de Alimentos, 1987
Apesar do défice de micronutrientes da alimentação, a ausência de tempo para realizar as refeições leva muitas pessoas a suprimi-las, em especial o pequeno-almoço, ou quando o fazem é de maneira desequilibrada, bebendo café com açúcar refinado, acompanhado de pão branco com margarina. Frutas, cereais integrais, açúcar mascavado e outros alimentos contendo vitaminas e minerais são deixados de lado. Desse modo, as fontes de micronutrientes não são geralmente consumidas nessa refeição.Outro momento onde o tempo é escasso é o almoço, feito à pressa e com escolhas que deixam a desejar. Sandes e batata frita são ingeridas vorazmente, muitas vezes no próprio ambiente de trabalho. As refeições desse tipo são extremamente pobres em vitaminas e ricas em calorias e gordura. O jantar acaba por complementar o desequilíbrio nutricional do dia, seja pelo cansaço, seja por reuniões e outras atividades realizadas no período noturno. A conclusão lógica é que as refeições práticas, como pizzas e pratos congelados levam ao desequilíbrio nutricional.
O risco das crianças
A prática da alimentação pobre em vitaminas e minerais tem sido observada também entre os adolescentes. Um estudo recente envolvendo 234 adolescentes apontou que apenas 11,3% consumiam frutas e verduras regularmente. Para complicar a situação, 81,7% dos adolescentes participantes disseram acreditar, erroneamente, que o seu consumo de frutas e verduras era saudável.A perceção errada quanto às características da alimentação saudável e o baixo consumo de frutas e verduras classificam os adolescentes como um grupo de risco, exigindo atenção especial para a promoção de hábitos alimentares saudáveis e garantia de qualidade de vida.Nesse ponto, é importante considerar também as crianças, que aprendem a copiar o comportamento dos adultos. Se a ingestão alimentar dos pais é deficiente em vitaminas e minerais, a delas tenderá a sê-lo igualmente. A questão é que, no caso das crianças, as deficiências de micronutrientes podem trazer sérias e duradouras consequências à saúde nas fases futuras da vida.Além de apresentar cansaço e fraqueza devido à má utilização de energia pelos músculos, as crianças podem apresentar alterações comportamentais e cognitivas e ter o crescimento prejudicado. Também pode haver aumento no aparecimento de doenças como infeções respiratórias e diarreias. Adicionalmente, muitas crianças apresentam deficiências de vários micronutrientes simultaneamente, o que torna a situação mais grave.
missing image filemissing image filemissing image filemissing image fileOnde encontra as vitaminas de que precisa
AB1B2B3B5B6EÁcido FólicoBiotinaKC
CenouraAveiaAmendoimTrigoSojaAveiaNozesCouveSojaCouveLaranja
AbóboraArrozAveiaErvilhaErvilhaTrigoCastanha-do-paráBrócolosCouve-florAcerola
BrócolosMilhoArrozBananaFeijão-verdeArrozAmêndoasAcelgaBrólocos
Goiaba
NaboTrigoMilhoLentilhaAbacateMilhoCereais
integrais
FeijõesAgriãoManga
Batata-doceSojaTrigoBatataBatata-doceBatataCouveLentilhaTomateMorango
MelanciaCenouraBananaEspinafreCogumelosCouveBrólocosArrozRepolhoAbacaxi
MelãoLeguminosasBrócolosNozesAlfaceRúculaTrigoEspinafreCaju
LaranjaAmendoimAcelgaAveiaAlfaceBrólocos
TomateRúculaMilhoCenouraCouve
CouveAgriãoErvilhaErvilha
RepolhoTrigoBatata
SojaAveiaMamão
Milho
Banana
Esta relação é parcial

missing image filemissing image fileOnde encontra os minerais de que precisa
CálcioFerroFósforoMagnésioZinco
Gergelim
Soja
Couve
Brócolos
Espinafre
Acelga
Rúcula
Agrião
Repolho
Açúcar mascavado
Trigo integral
Arroz integral
Aveia
Grão-de-bico
Amêndoas
Soja
Passas de uva
Açúcar mascavado
Espinafre
Açaí
Espinafre
Trigo integral
Aveia
Arroz
Lentilha
Grão-de-bico
Feijão
Gergelim
Castanha-de-caju
Castanha-do-pará
Ameixa preta
Castanhas
Amêndoas
Arroz integral
Trigo integral
Aveia
Soja
Feijão
Ervilha
Lentilha
Couve
Brócolos
Espinafre
Rúcula
Acelga
Castanhas
Amêndoas
Arroz integral
Trigo integral
Aveia
Soja
Feijão
Ervilha
Lentilha
Castanha-do-pará
Trigo integral
Aveia
Arroz integral
Milho
Soja
Feijões
Lentilhas
Esta relação é parcial
Combate à fome oculta

Como avaliar a qualidade da alimentação? Realmente, não é tarefa fácil, nem para os nutricionistas. Vários indicadores da qualidade da dieta têm sido propostos desde a década de 80. Uma das formas de executar essa avaliação reside no cálculo do Índice de Qualidade do Alimento (IQA), que expressa a relação entre o conteúdo de um nutriente específico no alimento, ou na dieta, e as recomendações nutricionais para esse nutriente em 1000 calorias. Esse indicador oferece condições para estudar o valor nutricional de um alimento, uma refeição ou alimentação.
Mais recentemente, foi proposto um indicador mais prático, inclusivamente para os leigos: Índice de Qualidade da Alimentação (Healthy Eating Index), o qual foi apresentado pela American Dietetic Association como sendo adequado para medir a qualidade global da alimentação de uma população.
Estima-se que a prevenção da fome oculta pode aumentar em até 5% o Produto Interno Bruto (PIB) de uma nação. Adicionalmente, a eliminação da fome oculta pode prevenir 4 em cada 10 mortes infantis e reduzir a mortalidade materna em mais de 30%.
Dessa forma, é de extrema importância o desenvolvimento de estratégias específicas contra a resistência às modificações dietéticas. A melhor solução é adotar hábitos saudáveis e manter uma alimentação equilibrada.
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Tratando-se de indivíduos vegetarianos, apesar da grande quantidade de frutas e verduras, ricas em micronutrientes, o alto teor de fibra pode reduzir o aproveitamento destas pelo organismo. Um outro aspeto importante é que elementos como o cálcio, o zinco e também as vitaminas B12 e D podem apresentar deficiência, em especial nos vegetarianos restritos, ou seja, nos que evitam qualquer produto derivado de animais, como leite e ovos. Assim, algumas instruções são necessárias para evitar a fome oculta em quem é adepto do vegetarianismo (veja quadro).

Késia Diego Quintaes
Doutorada em Alimentos e Nutrição

Recomendações dietéticas para vegetarianos e ovolactovegetarianos
Grupos alimentares
Recomendações
Cereais integrais
Trigo, milho, aveia e arroz
Usar alimentos produzidos com cereais integrais, como
a farinha de trigo integral e o arroz integral.
Leguminosas
Lentilha, ervilha, feijão, etc.
Produtos de soja
Tofu, bebidas e proteína texturizada
Usar “leite” ou extrato de soja fortificado com cálcio, ferro, vitamina D e vitamina B12.
Vegetais
Todos
Usar folhas verdes e vegetais amarelos. Ingerir tanto na forma crua como cozida.
Frutas
Todas
Preferir fruta inteira ou sumo desta.
Nozes e sementes
Amêndoas, nozes, amendoim, castanha-do-pará, gergelim, semente de abóbora e girassol, etc.
Comer nozes e sementes cruas, tostadas ou em preparações alimentares como a manteiga de amendoim e o tahine (creme de gergelim).
Óleos vegetais
Azeite, gergelim, canola, milho
Dar preferência aos que apresentam alto teor de ácidos gordos monoinsaturados.Limitar o consumo de gordura de coco e de palma.Evitar o consumo de gordura vegetal hidrogenada.
Leite e derivados
Ênfase nos produtos com baixo teor de gordura ou isentos desta.No caso de indivíduos que são vegetarianos restritos (vegans): verificar se a ingestão diária de cálcio, zinco, vitamina D e vitamina B12 é adequada. Caso contrário, podem ser necessários suplementos.
Ovos
Limitar o consumo a quatro unidades por semana.
DocesMel, xarope de milho, açúcar refinado, açúcar mascavado, adoçantes, geleias
Comer com moderação.
Fonte: Adaptado de Haddad et al., Am J Clin Nutrician, 1999

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