Em muitas sociedades é verificado um padrão dietético com alto conteúdo de gorduras totais, colesterol, açúcar refinado e baixo teor de fibra alimentar. Assim sendo, nos últimos anos, a deficiência de vitaminas e minerais (micronutrientes) na alimentação está a ganhar importância como problema de saúde pública em relação à deficiência de macronutrientes,
a saber, proteínas, hidratos de carbono e lípidos. Tal facto tem vindo a chamar a atenção dos profissionais
e das autoridades de saúde em todo o mundo. O termo “fome oculta” é aplicado para definir essa carência não explícita de um ou mais micronutrientes.
O défice de vitaminas e minerais é, infelizmente, mais comum do que se pode pensar. A fome oculta pode atingir qualquer pessoa, independentemente da classe social ou do estágio da vida. Basta que a alimentação seja inadequada em quantidade e qualidade nutricional. Estudos epidemiológicos realizados têm mostrado elevada prevalência de deficiência de vitaminas e minerais em populações com baixa proporção de desnutridos.
Alimentação desequilibrada
Tem sido constatado que a alimentação das pessoas, em especial daquelas que moram em centros urbanos, é geralmente pobre em frutas, verduras, legumes e cereais. Por outro lado, é alto o teor de gordura e açúcar encontrado em doces, fritos e refrigerantes, alimentos consumidos com frequência elevada. Embora esses alimentos apresentem alto valor energético, são pobres em micronutrientes, facto que pode ocasionar a deficiência de certas vitaminas e minerais indispensáveis ao funcionamento adequado do organismo.A título de exemplo (veja quadro), pode ser observada a diferença entre os valores nutricionais do açúcar refinado, produto que apresenta consumo elevado, tanto por já estar incluído industrialmente nos alimentos como por ser adicionado pelo consumidor, e os valores nutricionais do açúcar mascavado, produto não refinado e de baixo consumo.Pode ser notado que o açúcar mascavado possui teores de ferro, cálcio e fósforo superiores aos contidos no açúcar refinado, o qual apresenta maior teor de hidratos de carbono e energia. Sob o aspeto nutricional, o açúcar mascavado é uma boa alternativa para a substituição do açúcar refinado, o qual apresenta alto teor energético, sendo nulo nos outros nutrientes indispensáveis à saúde.
Composição nutricional do açúcar refinado e do açúcar mascavado | ||
Açúcar refinado | Açúcar mascavado | |
Energia (kcal) | 398,0 | 356,0 |
Hidratos de carbono (g) | 99,5 | 90,6 |
Proteínas (g) | ZERO | 0,40 |
Lípidos (g) | ZERO | 0,50 |
Cálcio (mg) | ZERO | 51,0 |
Ferro (mg) | ZERO | 4,2 |
Fósforo (mg) | ZERO | 44,0 |
Fonte: Franco, G., Tabela de Composição de Alimentos, 1987 |
Apesar do défice de micronutrientes da alimentação, a ausência de tempo para realizar as refeições leva muitas pessoas a suprimi-las, em especial o pequeno-almoço, ou quando o fazem é de maneira desequilibrada, bebendo café com açúcar refinado, acompanhado de pão branco com margarina. Frutas, cereais integrais, açúcar mascavado e outros alimentos contendo vitaminas e minerais são deixados de lado. Desse modo, as fontes de micronutrientes não são geralmente consumidas nessa refeição.Outro momento onde o tempo é escasso é o almoço, feito à pressa e com escolhas que deixam a desejar. Sandes e batata frita são ingeridas vorazmente, muitas vezes no próprio ambiente de trabalho. As refeições desse tipo são extremamente pobres em vitaminas e ricas em calorias e gordura. O jantar acaba por complementar o desequilíbrio nutricional do dia, seja pelo cansaço, seja por reuniões e outras atividades realizadas no período noturno. A conclusão lógica é que as refeições práticas, como pizzas e pratos congelados levam ao desequilíbrio nutricional.
O risco das crianças
A prática da alimentação pobre em vitaminas e minerais tem sido observada também entre os adolescentes. Um estudo recente envolvendo 234 adolescentes apontou que apenas 11,3% consumiam frutas e verduras regularmente. Para complicar a situação, 81,7% dos adolescentes participantes disseram acreditar, erroneamente, que o seu consumo de frutas e verduras era saudável.A perceção errada quanto às características da alimentação saudável e o baixo consumo de frutas e verduras classificam os adolescentes como um grupo de risco, exigindo atenção especial para a promoção de hábitos alimentares saudáveis e garantia de qualidade de vida.Nesse ponto, é importante considerar também as crianças, que aprendem a copiar o comportamento dos adultos. Se a ingestão alimentar dos pais é deficiente em vitaminas e minerais, a delas tenderá a sê-lo igualmente. A questão é que, no caso das crianças, as deficiências de micronutrientes podem trazer sérias e duradouras consequências à saúde nas fases futuras da vida.Além de apresentar cansaço e fraqueza devido à má utilização de energia pelos músculos, as crianças podem apresentar alterações comportamentais e cognitivas e ter o crescimento prejudicado. Também pode haver aumento no aparecimento de doenças como infeções respiratórias e diarreias. Adicionalmente, muitas crianças apresentam deficiências de vários micronutrientes simultaneamente, o que torna a situação mais grave.
Onde encontra as vitaminas de que precisa | ||||||||||
A | B1 | B2 | B3 | B5 | B6 | E | Ácido Fólico | Biotina | K | C |
Cenoura | Aveia | Amendoim | Trigo | Soja | Aveia | Nozes | Couve | Soja | Couve | Laranja |
Abóbora | Arroz | Aveia | Ervilha | Ervilha | Trigo | Castanha-do-pará | Brócolos | Couve-flor | Acerola | |
Brócolos | Milho | Arroz | Banana | Feijão-verde | Arroz | Amêndoas | Acelga | Brólocos |
Goiaba
| |
Nabo | Trigo | Milho | Lentilha | Abacate | Milho | Cereais integrais | Feijões | Agrião | Manga | |
Batata-doce | Soja | Trigo | Batata | Batata-doce | Batata | Couve | Lentilha | Tomate | Morango | |
Melancia | Cenoura | Banana | Espinafre | Cogumelos | Couve | Brólocos | Arroz | Repolho | Abacaxi | |
Melão | Leguminosas | Brócolos | Nozes | Alface | Rúcula | Trigo | Espinafre | Caju | ||
Laranja | Amendoim | Acelga | Aveia | Alface | Brólocos | |||||
Tomate | Rúcula | Milho | Cenoura | Couve | ||||||
Couve | Agrião | Ervilha | Ervilha | |||||||
Repolho | Trigo | Batata | ||||||||
Soja | Aveia | Mamão | ||||||||
Milho | ||||||||||
Banana | ||||||||||
Esta relação é parcial |
Onde encontra os minerais de que precisa | ||||
Cálcio | Ferro | Fósforo | Magnésio | Zinco |
Gergelim
Soja
Couve
Brócolos
Espinafre
Acelga
Rúcula
Agrião
Repolho
Açúcar mascavado
Trigo integral
Arroz integral
Aveia
Grão-de-bico
Amêndoas
|
Soja
Passas de uva
Açúcar mascavado
Espinafre
Açaí
Espinafre
Trigo integral
Aveia
Arroz
Lentilha
Grão-de-bico
Feijão
Gergelim
Castanha-de-caju
Castanha-do-pará
Ameixa preta
|
Castanhas
Amêndoas
Arroz integral
Trigo integral
Aveia
Soja
Feijão
Ervilha
Lentilha
|
Couve
Brócolos
Espinafre
Rúcula
Acelga
Castanhas
Amêndoas
Arroz integral
Trigo integral
Aveia
Soja
Feijão
Ervilha
Lentilha
|
Castanha-do-pará
Trigo integral
Aveia
Arroz integral
Milho
Soja
Feijões
Lentilhas
|
Esta relação é parcial |
Combate à fome oculta
Como avaliar a qualidade da alimentação? Realmente, não é tarefa fácil, nem para os nutricionistas. Vários indicadores da qualidade da dieta têm sido propostos desde a década de 80. Uma das formas de executar essa avaliação reside no cálculo do Índice de Qualidade do Alimento (IQA), que expressa a relação entre o conteúdo de um nutriente específico no alimento, ou na dieta, e as recomendações nutricionais para esse nutriente em 1000 calorias. Esse indicador oferece condições para estudar o valor nutricional de um alimento, uma refeição ou alimentação.
Mais recentemente, foi proposto um indicador mais prático, inclusivamente para os leigos: Índice de Qualidade da Alimentação (Healthy Eating Index), o qual foi apresentado pela American Dietetic Association como sendo adequado para medir a qualidade global da alimentação de uma população.
Estima-se que a prevenção da fome oculta pode aumentar em até 5% o Produto Interno Bruto (PIB) de uma nação. Adicionalmente, a eliminação da fome oculta pode prevenir 4 em cada 10 mortes infantis e reduzir a mortalidade materna em mais de 30%.
Dessa forma, é de extrema importância o desenvolvimento de estratégias específicas contra a resistência às modificações dietéticas. A melhor solução é adotar hábitos saudáveis e manter uma alimentação equilibrada.
Tratando-se de indivíduos vegetarianos, apesar da grande quantidade de frutas e verduras, ricas em micronutrientes, o alto teor de fibra pode reduzir o aproveitamento destas pelo organismo. Um outro aspeto importante é que elementos como o cálcio, o zinco e também as vitaminas B12 e D podem apresentar deficiência, em especial nos vegetarianos restritos, ou seja, nos que evitam qualquer produto derivado de animais, como leite e ovos. Assim, algumas instruções são necessárias para evitar a fome oculta em quem é adepto do vegetarianismo (veja quadro).
Késia Diego Quintaes
Doutorada em Alimentos e Nutrição
Doutorada em Alimentos e Nutrição
Recomendações dietéticas para vegetarianos e ovolactovegetarianos
Grupos alimentares
|
Recomendações
|
Cereais integrais
Trigo, milho, aveia e arroz
|
Usar alimentos produzidos com cereais integrais, como
a farinha de trigo integral e o arroz integral. |
Leguminosas
Lentilha, ervilha, feijão, etc.
Produtos de soja
Tofu, bebidas e proteína texturizada
|
Usar “leite” ou extrato de soja fortificado com cálcio, ferro, vitamina D e vitamina B12.
|
Vegetais
Todos
|
Usar folhas verdes e vegetais amarelos. Ingerir tanto na forma crua como cozida.
|
Frutas
Todas
|
Preferir fruta inteira ou sumo desta.
|
Nozes e sementes
Amêndoas, nozes, amendoim, castanha-do-pará, gergelim, semente de abóbora e girassol, etc.
|
Comer nozes e sementes cruas, tostadas ou em preparações alimentares como a manteiga de amendoim e o tahine (creme de gergelim).
|
Óleos vegetais
Azeite, gergelim, canola, milho
|
Dar preferência aos que apresentam alto teor de ácidos gordos monoinsaturados.Limitar o consumo de gordura de coco e de palma.Evitar o consumo de gordura vegetal hidrogenada.
|
Leite e derivados
|
Ênfase nos produtos com baixo teor de gordura ou isentos desta.No caso de indivíduos que são vegetarianos restritos (vegans): verificar se a ingestão diária de cálcio, zinco, vitamina D e vitamina B12 é adequada. Caso contrário, podem ser necessários suplementos.
|
Ovos
|
Limitar o consumo a quatro unidades por semana.
|
DocesMel, xarope de milho, açúcar refinado, açúcar mascavado, adoçantes, geleias
|
Comer com moderação.
|
Fonte: Adaptado de Haddad et al., Am J Clin Nutrician, 1999
Sem comentários:
Enviar um comentário