Quando foi a última vez que sentiu um estado de bem-estar e apreciação positiva na sua vida? A última vez que sentiu entusiasmo, ao ponto de olhar para o seu dia-a-dia e para o seu futuro, com empenho e interesse?
Podemos afirmar que a sociedade de hoje promove a ideia de um paraíso sem limites, um “agora e aqui”, modo de estar baseado na total satisfação dos nossos desejos e sonhos. Considera-se que a sensação de bem-estar será assim conseguida numa promessa sempre cumprida de realização pessoal.
A verdade, porém, é que, mesmo hipotecando o nosso futuro já hoje, não é possível viver nesse ambiente íntimo de bem-estar, de modo permanente, com satisfação constante e felicidade interminável.
Quando caímos em nós e nos apercebemos que as nossas mais justas e ansiadas expectativas não se concretizam, torna-se comum recorrermos a mecanismos de superação da realidade através da utilização de medicamentos, drogas, álcool, tabaco, que se constituem em autênticas muletas do balanceamento do humor.
Em lugar de nos aceitarmos vivendo com esse balanceamento, aprendermos a exprimir o nosso estado mental de euforia, desânimo, esperança, desagrado, entusiasmo, frustração, preferimos vestir uma máscara de estabilidade, reprimindo a manifestação das nossas expressões, anulando-as por substituição de outros modos de sentir, muitas vezes contraditórios com o nosso verdadeiro humor e maneira de estar.
O humor
O humor, isto é, o conjunto dos nossos estados de alma, não é naturalmente constante. Quem é que nunca se sentiu menos entusiasmado, decepcionado, triste, aborrecido? Ninguém! Desde a mais tenra idade que vivemos e lidamos com a insatisfação e estados de espírito desagradáveis. Ver um bebé chorar irritado, insatisfeito, porque está com fome, com frio, quer colo… é o mais comum da vida dos pais. Mas é nessa fase da vida que se vão jogar as cartas mais importantes do futuro ser adulto, com um lugar à espera na sociedade. É comum confundir então “amor” com a satisfação de todas as necessidades do bebé, achando-se ser dever dos pais criar um estado de satisfação que promova junto do bebé uma vida sem contrariedades ou descontentamento. Embora seja uma aspiração legítima, a verdade é que, se habituarmos o nosso bebé a ver satisfeitos todos os seus desejos e caprichos, constataremos que estamos a criar um ser problemático, muitas vezes insensível e manipulador.
Tomemos um exemplo: a alimentação. Se os pais não aceitarem que existem limites à ânsia de satisfação desta (natural) necessidade, depressa irão constatar que estes são desafios que poderão vir a comprometer seriamente o seu futuro. Recordo que numa das visitas feitas ao pediatra do nosso filho, este deu indicações à mãe para a necessidade de diminuir a sua alimentação, porque ele estava a ficar com peso a mais. As semanas que se seguiram foram um verdadeiro suplício, ao vermos o nosso filho chorar incontrolavelmente (de fome) porque, de acordo com as melhores condições da ciência pediátrica, ele não podia comer tanto quanto queria (e paradoxo) tanto quanto a sua mãe lhe podia dar. Deste modo, e com um elevado custo no nosso bem-estar – pois os seus gritos impediam-nos de dormir de noite e descansar de dia – foi, no entanto, controlada a sua possível obesidade infantil.
Este é um exemplo muito simples e que não levanta qualquer dúvida aos leitores relativamente à importante noção subjacente a este assunto. Ter, sentir, viver contrariedades, insatisfação, sentir-se desanimado, sem entusiasmo, não é necessariamente um problema: pode ser uma parte natural da vida, das várias fases do seu ciclo. No entanto, sentir-se assim é hoje considerado anti-natura, a eliminar a todo o custo: e um desses preços a pagar fica na farmácia com os medicamentos comprados para ajudar a regular o humor. Estamos a falar dos antidepressivos. Outro preço, muito mais caro e perturbador, são as consequências orgânicas que sofremos com a toma desse tipo de medicamentos.
Em Portugal, como no resto do mundo desenvolvido, tornou-se num recurso recorrente balancear entre os antidepressivos e os estimulantes para gerir de modo suportável as diferentes fases do dia e da vida. A criação deste ambiente químico artificial é responsável pelo crescimento das despesas em medicamentos, pelo orçamento geral da saúde através das comparticipações que está obrigado por parte do Estado. No entanto, existem sérias dúvidas de que desse modo possamos realmente conseguir o que procuramos atingir, sendo necessário questionarmo-nos pelo aparente benefício conseguido.*
Existem reais sinais de alarme nesta matéria: o consumo de antidepressivos é, em Portugal, três vezes superior à média da UE. O Alentejo tem o consumo de ansiolíticos, hipnóticos e antidepressivos mais alto do país, e não pára de aumentar.
Até onde devemos fingir?
Começamos este mês a abordagem de uma nova série de temas que visam analisar em profundidade os mecanismos que são utilizados hoje em dia para gerir o balanceamento do humor. Ao fazê-lo pretendemos analisar “o outro lado” desta questão, o lado muitas vezes não contado de maneira transparente, descodificada, no qual podemos cair, acreditando que isso nos ajudará a balancear melhor os nossos estados de alma. Finalmente, propomos uma reflexão sobre um dos maiores problemas da vida humana na actualidade, afectando milhões de pessoas de modo dramático. Talvez seja até o seu problema, ou o problema de alguém que conhece bem, de um amigo, familiar. No final desta série pretendemos ter contribuído para desmistificar o argumento fácil e que dá milhões a tantos, mas aos afectados lhes retira muitas vezes o essencial: a capacidade de controlo da sua vida.
Estar Deprimido, Também É Natural!
Não há ninguém que nunca tenha ouvido falar de “depressão”. Esta expressão vulgarizou-se e é hoje usada para descrever perturbações do humor. Foi mesmo necessário padronizar a sua realidade através de uma caracterização própria no CID 10, ajudando o profissional de saúde a aplicar a sua identidade no meio de outros estados de falta de saúde. Deste modo, a sociedade admite que a pessoa “deprimida” saia do tecido produtivo, adquirindo “uma baixa por doença”, procurando assim reencontrar o bem-estar perdido. A verdade, porém, é que esta doença não é universal: em muitos países, e para a maior parte dos habitantes do Planeta, não lhes é reconhecido o estatuto de “deprimido”, sendo-lhes negada qualquer assistência médica ou medicamentosa, e muito menos folga do trabalho. No entanto, vivem e sobrevivem no meio das condições mais agrestes que se possam imaginar.
Afinal, a Depressão Existe?
Estaríamos, assim, a falar de uma ilusão? Não, certamente que não: o estado de depressão existe, e afecta--nos de modo diferente. No entanto, podemos afirmar sem sombra de dúvida que este estatuto é condicionado primeiramente pela sociedade na qual vivemos. São as características da vida moderna que, por sua vez, nos atingem, levando-nos a acusar insustentabilidade perante esses estímulos. Trata-se assim de um saber estar e saber viver no meio das circunstâncias que nos rodeiam. A questão que emerge é se, para isso, necessitamos da utilização de antidepressivos!
A depressão é uma resposta natural emocional que desenvolvemos face aos acontecimentos. Muitas vezes, esta resposta caracteriza-se pela perda de interesse na vida e pode ser caracterizada por incapacidade para lidar com os estímulos, falta de esperança no futuro, a vergonha e estados de culpa (de não estar à altura, de não se ser tão bonito, tão produtivo, tão inteligente como todos/as os outros/as que nos rodeiam). O importante a realçar é que a depressão pode ser o estatuto consequente de muitas condições da vida humana: o abuso emocional, físico, psicológico ou espiritual.
É importante salientar que os estados de depressão têm causas que podem ser identificadas: uma má nota na faculdade, uma rejeição nas brincadeiras do jardim de infância, um namoro que terminou de forma abrupta, ou um divórcio anunciado, uma doença fisiológica, o desemprego, tudo isto são algumas das inúmeras razões que nos podem conduzir a um estado de depressão.
A depressão é mais uma das muitas reacções do nosso organismo, alertando-nos para o facto de que alguma coisa não está bem na nossa vida. A depressão é o sinal de alarme para a condição de privação emocional. Assim como a dor física é fundamental, pois ela protege-nos de graves situações, também a depressão é fundamental para nos ajudar a identificar onde devem acontecer mudanças na nossa vida, de modo a não vivermos sujeitos às condicionantes que determinam esse estado de privação emocional.
E é aqui que o problema se agrava: embora vivamos numa sociedade com liberdade e muitas oportunidades, sentimo-nos por vezes prisioneiros dela, e calamos dentro de nós essa manifestação de dor, combatendo os seus sintomas, em vez de atacarmos as suas causas.
É perante este efeito de demissão que abdicamos de reagir, e preferimos adormecer os sensores de alarme, desligando-os (para não termos de ouvir o seu som perturbador).
ISTO CONSEGUIMOS COM A AJUDA DOS |
Antidepressivos! |
Os antidepressivos são o produto de um modelo teórico que se baseia na assumpção de que a depressão é consequência de um desregulamento biológico. Esse modelo, designado por hipótese serotoninérgica, assenta, assim, num pressuposto que até hoje não foi possível provar cientificamente. Como acontece com algumas hipóteses de estudo científicas, esta foi promovida a teoria sem base de evidência. É neste contexto que alguns salientam a sua precariedade. Peter Breggin afirma que, com esta hipótese, estamos a tornar demasiado redutor um dos órgãos mais complexos do nosso organismo (o cérebro).
O pressuposto desta hipótese é actuar sobre os níveis de serotonina no cérebro. Designados por Inibidores Selectivos da Recaptação da Serotonina, estes – espera-se – actuam através de um processo de bloqueio da reabsorção da serotonina. Consequentemente, uma excessiva quantidade de serotonina acumula-se nas sinapses. Deste modo, aumenta a actividade do sistema cerebral com este acréscimo de serotonina na sinapse. É neste contexto que várias autoridades, como o NICE americano (National Institute for Clinical Excelence) recomenda a utilização destes medicamentos actuando sobre este sistema: considerados de primeira linha perante a depressão moderada ou severa. No entanto, quando começamos a analisar a literatura científica produzida em torno deste assunto – algo reconhecido mesmo pelo NICE – os efeitos dos medicamentos antidepressivos não eram estatisticamente significativos quando comparados com os placebos. Antes pelo contrário; estes medicamentos pareciam potenciar certos agravamentos, como intenções suicidas e outros efeitos adversos. Não há, até agora, evidência científica que permita afirmar que a hipótese serotoninérgica é verdadeira, havendo, assim, a registar muito pouco ou nenhum efeito terapêutico nos antidepressivos sobre a depressão.
OS EFEITOS DOS ANTIDEPRESSIVOS
Existe, no entanto, algo que temos de salientar aqui: se, por um lado, os efeitos dos antidepressivos são insignificantes no tratamento da depressão, isso já não se verifica relativamente às consequências que estes medicamentos têm sobre o organismo: elas não são passageiras.
O nosso organismo está em permanente acção para restabelecer equilíbrios perdidos: assim, quando identifica este aumento anormal de serotonina nas sinapses, empreende um processo de eliminação deste estado (podíamos comparar isto com o trabalho do pâncreas no fornecimento de insulina, quando detecta açúcar no sangue, situação que quando desregulada leva ao aparecimento da diabetes).
Assim, o que acontece no cérebro é que, desde que são identificadas estas doses de ISRS, induzidas pelos antidepressivos, reduz-se, ou pára mesmo, a produção da serotonina, impedindo as suas células produtoras de continuarem o seu trabalho normal.
O problema é que esta situação pode perpetuar-se indefinidamente em algumas zonas do cérebro. Por outro lado, o cérebro inicia um processo de dessensibilização dos efeitos da serotonina, provocando a hipoptase, a morte auto-programada destes receptores. Estas perdas podem, então, atingir, em algumas zonas do cérebro, 40 a 60 % dos receptores de serotonina. Com estasituação, as consequências podem indiciar uma actividade disfuncional permanente do cérebro. Medicamentos tão conhecidos de todos nós, de fácil acesso em farmácia com ou sem receita médica, que se podem até encomendar através da Internet, afectam assim o cérebro, havendo hoje a convicção de que o cérebro pode nunca mais recuperar as suas funções originais, uma vez interrompida ou finalizada a terapêutica desenvolvida com antidepressivos.
A gravidade do que acabamos de apresentar representa um dos aspectos mais importantes relativamente aos quais uma higiene da saúde deveria levar-nos a uma reflexão profunda sobre os mecanismos que usamos para lidar com a depressão.
Concluindo, poderíamos sugerir:
1. Se se sentir deprimido ocasionalmente, e consegue identificar a razão pela qual assim se sente, reconsidere se é mesmo necessário recorrer a antidepressivos. Construa uma personalidade resiliente ao impacto das contrariedades, lembrando-se que o seu organismo pode ajudá-lo/a a regular naturalmente esses desconfortos.
2. Não acredite em tudo o que vê nas revistas, telenovelas ou em algumas histórias da vida real, onde tudo parece cor-de-rosa (com os outros): existe muito marketing por detrás dessas mensagens de modo a induzir a sua própria entrada no mundo do consumo (tão apelativamente considerado como a resposta para a felicidade).
3. Endividar-se para procurar condições que lhe tragam – supostamente – felicidade interminável é uma falácia e deve ser conscientemente criticada pelas opções que faz no seu dia-a-dia.
4. Não espere até ter todas as condições da “sua lista” cumpridas para dar passos decisivos na sua vida. Este é um dos mais bem afinados engodos da sociedade de consumo na qual vivemos, atirando jovens para a concretização dos seus planos de vida para idades tardias, provocando assim frustração, ansiedade, desgaste inúteis e prejudiciais para o bem-estar.
5. Enfrente os acontecimentos da vida com coragem. Não deixe que eles ou outras pessoas controlem a sua vida. Assuma o leme da embarcação e leve-a para o porto que tem nos seus sonhos. Seja determinado e acredite em si.
6. Finalmente, recorde que muitas das condicionantes da sua vida estão fora do seu alcance e por isso apele a um poder Superior para encontrar a coerência perdida ao seu redor: existe um sentido, e embora as coisas pareçam estar fora de controlo, aprenda a confiar.
*Estes artigos são escritos a partir de alguns critérios que não são necessariamente aplicáveis ao seu caso pessoal. Não se destinam a eliminar ou alterar qualquer estatuto medicamentoso ao qual esteja sujeito por indicação de um profissional de saúde competente. Se em algum aspecto considerar que existe matéria para provocar uma alteração em qualquer uma destas questões que acabamos de referir, consulte primeiramente o seu profissional de saúde responsável de modo a garantir que as alterações que consequentemente deseja proceder estejam de acordo com os parâmetros de segurança. Existem situações que aqui não são referenciadas e que exigem um acompanhamento medicamentoso, sendo por isso excluídas as sugestões aqui deixadas a esses casos pessoais.
Luís Nunes
Sociólogo da Medicina e da Saúde
Mestre em Saúde Pública
Sociólogo da Medicina e da Saúde
Mestre em Saúde Pública
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