Introdução
Na existência, uma das forças fundamentais que nos leva a agir é a motivação para satisfazer as nossas necessidades.
O início de uma relação humana a dois é normalmente marcado por um elevado nível comunicacional de encontro de ideias: frases como “também penso assim”, “engraçado, também gosto desta cor”, repetem-se vezes sem conta, enquanto na atracção que levou duas pessoas a aproximarem-se, uma comunalidade (um espaço comum de ideias, valores, ambições, perspectivas de vida, criação dos filhos, ...) se define como enquadramento estável do desenvolvimento e crescimento do amor.
No entanto, este pacote de encontros, que na sua fase inicial é descoberto com um entusiasmo ofuscante que leva duas pessoas a esquecerem-se muitas vezes do que as rodeia, esgota-se. Assim, passada a euforia da descoberta a dois e dos dois, vem o período de estabilidade do crescimento do amor, da experiência a dois.
É neste âmbito que continua a ser crucial uma escuta activa, uma capacidade de leitura profunda das necessidades do outro – essas sim, não se esgotam nos primeiros anos de vida de um casal. Se a percepção das necessidades não for correctamente feita, e se estas não forem devidamente satisfeitas, iniciar-se-á um processo de recalcamento de frustrações, de ressentimentos, de ódios inicialmente escondidos, depois manifestos em pensamentos, palavras e actos, que comprometerão dramaticamente a felicidade de ambas as partes. Levanta-se, no entanto, um outro problema: mesmo que eu consiga interpretar correctamente o outro, eu não tenho recursos para satisfazer TODAS as suas necessidades. Nenhum ser humano pode ter a ousadia de pensar que pode ver satisfeitas todas as suas necessidades! Nenhum ser humano pode ousar acreditar que pode satisfazer todas as necessidades do outro.
Interagindo:
Escolhe um dia em que possas sair com a pessoa que amas. Deixa os telemóveis desligados, vai para um local onde não exista perturbação e faz a pergunta: em que é que eu tenho falhado em relação às tuas necessidades? Quais são as necessidades que eu não tenho conseguido satisfazer neste último ano?
Se tiveres uma memória fraca, pega numa caneta e vai escrevendo o que fores ouvindo. Não interrompas, ouve somente. Não te desculpes, regista somente. Ouve com muita atenção até não haver mais nada a dizer. Não te ofendas, deixa que o outro fale livremente. Respeita a sua resposta mesmo que te pareça absurda!
Depois, pede que, dessa lista, sejam definidas as 10 primeiras necessidades (deixa as outras em grupos de 10 para os meses seguintes): em termos de ordem de importância (da mais importante para a menos importante). Seguidamente, estabelece uma negociação muito criteriosa sobre os recursos que tens ao teu alcance para satisfazer as necessidades dessa lista. (Imagina que uma das necessidades é “passares mais tempo comigo”! Perante isto deves negociar se é viável ver menos TV, trabalhar menos horas, ou outra proposta. No caso de se decidir “trabalhar menos horas” por exemplo, negoceia bem o que não vais comprar, ou se deves vender a casa e comprar outra mais barata, para poderes “ter mais tempo disponível”. Deste modo, podes estabelecer um acordo de base sobre o custo que terá “satisfazer essa necessidade”. O casal determina na multiplicidade de necessidades que existem quais são aquelas sobre as quais haverá investimento especial de comunalidade. Este é um método muito importante para lidar também com os nossos filhos, pois eles compreendem facilmente que neste processo negocial todos ficam a ganhar com as decisões tomadas em conjunto: “o meu pai não me compra a bicicleta este mês porque isso obriga-o a trabalhar mais e eu quero-o em casa para brincar comigo também”!)
Percebe-se, por isso, que este assunto da satisfação das necessidades é uma das questões mais sérias de um casal. Ela é a génese de todos os problemas, conflitos, desentendimentos de um casal. É na insatisfação das necessidades que os núcleos familiares se desagregam, que a droga entra pela porta, bem como a doença, o abandono da luta pela vida fustiga o gosto de viver, conduzindo por exemplo ao suicídio (passivo ou violento), entre outros problemas.
Por isso, recapitulemos:
- é importante estar “treinado” para conseguir ler as necessidades do outro.
- é importante perceber que não se conseguirá nunca satisfazer todas as necessidades existentes.
Perante este duplo dilema, precisamos de saber escolher as necessidades que devem receber, da nossa parte, todo o empenho para conseguir satisfazer o outro, bem como perceber as necessidades que estão em causa.
Para o fazer, proponho-te que preenchas agora esta grelha de leitura das necessidades (ver a Figura na página seguinte): identifica primeiro as NECESSIDADES EXPRESSAS (são aquelas que são mais fáceis de identificar); vêm seguidamente as NECESSIDADES SENTIDAS (que nem sempre são expressas, por medo de represálias, por experiências do passado que bloquearam a comunicação sobre um determinado assunto, por exemplo); o terceiro nível de necessidades, são as NECESSIDADES LATENTES . Estas são muito mais difíceis de identificar, e é preciso uma dedicação especial ao outro, ter aprendido a ouvi-lo activamente, a identificar nas suas palavras o que está por detrás delas, para construir aquilo que está latente na relação.
Vêm depois as NECESSIDADES REAIS . Estas necessidades podem ser identificadas depois da interacção que te proponho em cima: saber como é que se vai negociar a satisfação das necessidades dentro da comunalidade do casal.
Depois de transcreveres para a grelha a seguir apresentada as necessidades identificadas, aperceber-te-ás que existem necessidades que estão presentes em todas as quatro categorias, que caem assim no centro desta matriz, que designamos por necessidades satisfeitas (ou a satisfazer).
Um conflito emerge porque uma necessidade não foi, não é, e prevê-se que não venha a ser satisfeita. Por isso, é necessário actualizar o contexto das necessidades de um casal. Existem, pelo menos, quatro dimensões de necessidades em cada uma das áreas identificadas anteriormente. A satisfação das necessidades é um processo complexo que exige uma sábia gestão da sua identificação. As necessidades expressas são necessidades que são exteriorizadas.
Figura : As necessidades satisfeitas como confluência das necessidades expressas, sentidas, latentes e reais
Interagindo:
Foca as necessidades sexuais e analisa-as de acordo com esta matriz. Seguidamente, tendo em conta as quatro dimensões da saúde familiar, poderão ser desenhadas as necessidades sentidas que nem sempre são expressas. Seguem--se as necessidades latentes, que muitas vezes nem estão consciencializadas. Finalmente, temos as necessidades reais. No cruzamento destas dimensões encontra-se então o grupo de necessidades sexuais a serem satisfeitas. Um diálogo permanente deverá reanalisar este cruzamento para manter a vida sexual saudável. As necessidades que mais problemas podem provocar (expressas) e mais causas de reclamação originam, correspondem apenas parcialmente às necessidades reais. Por outro lado, nem todas as necessidades sentidas são expressas e existem necessidades latentes não directamente perceptíveis pelo casal. Importa encontrar o cruzamento destas quatro áreas e o casal, depois de identificar quais são as necessidades que devem ser satisfeitas, investirá os seus recursos na sua satisfação. S&L
Luís S. Nunes
Sociólogo da Medicina e da Saúde,
Mestre em Saúde Pública
Sociólogo da Medicina e da Saúde,
Mestre em Saúde Pública
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