22.7.14

QUANDO OS ANOS PESAM

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Basta uma rápida vista de olhos sobre a população nacional (e mundial!) para chegarmos à conclusão de que está em curso um fenómeno de envelhecimento: cada vez há mais idosos e menos jovens. Não vamos aqui falar do problema social que isso representa, mas sim do que implica esse envelhecimento a nível pessoal.
Ninguém gosta de envelhecer. Na verdade, hoje, mais ainda do que no passado, há uma procura desenfreada da juventude, quer seja através de métodos “científicos” e cirúrgicos, quer estéticos. O comércio de produtos de beleza, rejuvenescedores, eliminadores de rugas, botoxes e seus afins vende somas astronómicas. O mesmo se pode dizer das cirurgias plásticas, dos comprimidos, dos “elixires”, das “loções” e “poções” que prometem manter ou recuperar uma juventude que, nalguns casos, já se desvaneceu.
Mas, afinal, o que é a terceira idade? Definir a expressão “terceira idade” não é tão fácil como possa parecer. Teoricamente, ao falarmos de terceira idade, estamos a referir-nos a uma fase da vida em que a idade avançada põe algumas limitações, seja no campo da saúde física, seja no da saúde mental e emocional, seja ainda no campo da vivência social e da identidade pessoal. No entanto, todos conhecemos pessoas que são “jovens de 80 anos”, e pessoas que são “velhas com 30 anos”. Ou seja, para além das características já apontadas, há ainda factores que qualificam a pessoa numa das duas categorias. A atitude pessoal face à vida, o desenvolvimento e a manutenção de actividades intelectuais e cognitivas, o envolvimento em tarefas “laborais” agradáveis, a prática de algum desporto adaptado à saúde e idade da pessoa e, porque não dizê-lo, a prática de hábitos de vida (repouso, alimentação, higiene) saudáveis, são alguns desses factores.

Atitude face à vida
Para que a velhice não seja um martírio, é importante que a pessoa avançada na idade comece, antes de entrar na fase da reforma, a preparar o seu espírito para esse momento. Geralmente, a transição dá-se de forma brusca, uma vez que, ao parar a sua actividade, a pessoa está “programada” para continuar ao mesmo ritmo, com a mesma intensidade, com as mesmas responsabilidades. A passagem para a reforma representa uma mudança radical nesse ciclo. Por isso, será muito útil que a pessoa que se aproxima da idade da reforma se vá desligando, pouco a pouco, das suas obrigações e diminuindo o ritmo, ocupando esse tempo livre com novas actividades e interesses, menos exigentes em questão de tempo e energias, mas mais voltadas para o lazer e entretenimento.
Quem entra na terceira idade com a sensação de que está na recta final e de que já pouco ou nada vale, perde uma oportunidade excepcional de viver novas experiências, de criar novas emoções e de desfrutar de novas amizades e oportunidades.
Manter um nível de ocupação de tempo adequado à sua energia e mobilidade é fundamental.
Também é importante que o idoso olhe para a sua vida (passada, presente e futura) de forma positiva e esperançosa. Olhando para trás, será bom que veja o que de agradável e positivo ela teve, e que guarde na sua memória esses momentos mais aprazíveis. Mas, ao olhar para o presente, deve analisar o que vive, com a noção de que está numa fase diferente da vida, à partida nem pior nem melhor do que a anterior, mas na qual ainda tem muito a oferecer. Talvez veja diminuídas algumas das suas capacidades, talvez a saúde falhe nalguns momentos, mas uma visão optimista de si mesmo e da sua situação será o pano de fundo para que organize o seu tempo e a sua actividade, pensando em “projectos” que lhe darão prazer e ânimo. Quanto ao futuro, ele dependerá dessa visão e do envolvimento do idoso nos planos que tenha preparado. Ficar parado no tempo, sem criar um plano e sem se motivar para ele, será determinante na perda da auto-estima, da identidade, das capacidades. O mesmo é dizer que, nesse caso, o idoso fica mais vulnerável a pensamentos negativos e a reflexões autodestrutivas. É nesse contexto que surgem, muitas vezes, problemas mentais (loucura senil, Alzheimer...), depressões e uma degradação rápida da saúde em geral.

Actividade intelectual
Um dos maiores perigos para a manutenção do bem-estar mental de um idoso é a paragem da actividade intelectual. Quando se põem de lado as capacidades comunicacionais, lógicas e de reflexão que o nosso cérebro tem, os neurónios acabam por definhar e morrer.
Uma actividade mental regular, abarcando áreas de interesse pessoal, como a leitura, a conversação, a reflexão sobre a vida diária, a “discussão” de temas que exijam argumentação e análise, é um meio eficaz de manter o cérebro em bom estado e os neurónios vivos. Nessas actividades, não só os neurónios se mantêm vivos como são criadas novas ligações, permitindo a acumulação de novas memórias, e, evitando, em grande medida, a degradação intelectual.

Actividade “laboral” agradável
Para quem tem, durante anos a fio, uma vida de combate constante contra o tempo, em que as responsabilidades e actividades são permanentes, a paragem representada pela entrada na terceira idade (depois da reforma) pode ser deveras deprimente. Na verdade, é muito fácil, para um idoso que se encontre nessa situação, sentir-se inútil, posto de lado, frustrado, desorientado. E abdicar de si mesmo...
A melhor forma de corrigir essa visão negativa da vida é encontrar “coisas” para fazer: “coisas” úteis, agradáveis, relaxantes, em que o idoso possa pôr em prática as qualidades e capacidades que adquiriu na sua vida activa, mas também criar novas ligações, novos “caminhos” para novas actividades, diversificadas e motivadoras. Isso implica algum planeamento e motivação.
Tratar do jardim ou da horta, acompanhar os netos à escola e ajudá-los nas suas tarefas escolares, passear num parque ou na Natureza, juntamente com outros idosos ou familiares, fazer pequenos recados, envolver-se em projectos de apoio social, em associações ou grupos sócio-recreativos, etc., fazer um curso de pintura ou de informática para idosos, usar mais as escadas do que o elevador (agarrando-se bem ao corrimão, claro!) e ter momentos de paz e de serenidade podem fazer uma diferença abismal na visão que o idoso tem da sua vida, do seu valor, da sua identidade e utilidade.

Praticar desporto
Evidentemente, não se pode exigir a um idoso que tenha, na prática de um desporto, resultados semelhantes aos de um jovem. Limitações de mobilidade, de saúde e de tempo (se ele estiver envolvido noutras actividades), podem interferir na decisão do idoso de praticar um desporto. É importante que essa prática seja aconselhada e adaptada por um médico ou especialista na área, já que o esforço não deve levar o idoso à exaustão, nem a pôr em perigo a sua sobrevivência. Desportos “suaves” como a caminhada e a natação ou a hidromassagem são meios eficazes de manter uma mobilidade aceitável e de “desenferrujar” as ideias e as articulações.

Hábitos de vida
Os hábitos de vida influenciam cada órgão, cada parte do nosso corpo. No caso de um idoso, essa influência é ainda maior, devido à diminuição das defesas do organismo e à perda de vitalidade normal do envelhecimento. Para manter um nível de actividade e de entusiasmo bons na terceira idade é importante que o idoso procure ter um bom equilíbrio entre repouso e actividade, por um lado, bem como uma alimentação adequada à sua saúde e bem-estar.
Acima de tudo, o idoso deve evitar tudo o que possa comprometer a sua capacidade mental, física e emocional. Referimo-nos ao uso de substâncias destrutivas, como o tabaco, o álcool e o café, às gorduras de origem animal, ao açúcar branco e produtos refinados. Também seria positivo para a sua saúde reduzir o consumo de sal e aumentar o consumo de vegetais e de produtos substitutivos da carne e do peixe.
Talvez um idoso, ao ler estas linhas, pense que lhe estamos a tirar as poucas coisas que lhe dão prazer nessa fase da sua vida, mas tal não é o caso. Na verdade, há a possibilidade de usar alimentos mais saudáveis e ter hábitos de vida mais sãos, melhorando assim a vivência destes anos.
Um regime alimentar rico em alimentos refinados, sal, açúcar, gorduras, etc., e em que esteja ausente o exercício físico e uma actividade “laboral” útil, pode provocar um envelhecimento precoce, devido ao esforço suplementar que é exigido ao organismo para os absorver e eliminar.
Um estilo de vida saudável, com objectivos e metas positivos, com uma atitude mental voltada para a esperança e para a aceitação de novos desafios, pode ajudar a desfrutar de uma vida melhor, mais plena, mesmo nos “anos dourados” da existência.
Portanto, amigo/a Leitor/a idoso/a, experimente beber água pura, no mínimo 1,5 litros por dia, fora das refeições, em vez de outras bebidas; ponha de lado, na sua alimentação, os produtos de origem animal e substitua-os por alimentos mais saudáveis: saladas, frutos secos, verduras, leguminosas, todos eles ricos em vitaminas, sais minerais e outros nutrientes necessários ao bom funcionamento do organismo.
Isso exigirá, certamente, um esforço de adaptação e uma escolha voluntária e firme de hábitos mais saudáveis, mas vale a pena.
missing image fileA prática de um desporto, uma actividade física útil, o envolvimento numa causa altruísta serão meios de “desviar” a mente dos hábitos antigos e de ajudar a criar novos.

Uma palavra à família...
Um dos factores que mais toca um idoso é a forma como é encarado pela sociedade, em geral, mas, sobretudo, por aqueles que o rodeiam de perto, a sua família mais chegada. A atitude positiva desses familiares, o incentivo que eles podem transmitir ao idoso, com as suas palavras de ânimo, de apreço, de esperança, de gratidão e de reconhecimento são fundamentais para que o idoso se veja a si mesmo como alguém aceite, valioso, bem-vindo, para que ele sinta que “valeu a pena”.
Já lá vai o tempo, infelizmente, em que os avós eram vistos como uma “escola da vida”, alguém com muita experiência, muita sabedoria, muita paciência e disponível para, à lareira ou no quintal, à sombra de uma árvore, partilhar tempos de outro tempo.
Hoje, os idosos são muitas vezes olhados pelas famílias como um peso, um obstáculo, e tenta-se, a todo o custo, afastá-los da convivência familiar. Outras vezes, são encarados, apenas, como “amas”, para que os pais se possam entregar com mais liberdade aos seus afazeres ou passatempos.
Na verdade, são poucas hoje as famílias que vêem no idoso um ser humano válido, com um mundo ainda à sua frente, com valor e capacidades que ainda são necessárias e úteis, com uma identidade que merece respeito e admiração.
Muitos idosos vêem-se alvo de agressões (físicas, psicológicas e emocionais), sentem-se rejeitados e humilhados por aqueles que os acolhem ou que deles tratam, e isso é um poderoso desmotivador e causa de abandono da vontade de viver, do aparecimento de sentimentos de culpa, de inutilidade e de desamparo.
Haverá alguma coisa mais triste do que alguém passar uma vida a dar-se, a lutar pelos filhos, a viver os sobressaltos e as dificuldades que a vida apresenta sem cessar, para, no final da sua existência, precisamente na fase mais difícil, naquela em que mais apoio e afecto necessita, porque mais débil e vulnerável se encontra, naquela em que o horizonte se fecha e a esperança teima em não brilhar, se ver rejeitado, posto de lado, olhado com incómodo, como um “objecto” imprestável, descartável?
Ao pensar neste assunto, recordo, com alguma apreensão, um provérbio que ouvi na minha infância, dito pelo meu pai: “Filho és, pai serás. Como fores, assim encontrarás.” Parafraseando, ousaria dizer: Hoje és jovem, amanhã serás idoso. Lembra-te de que a forma como tratares hoje o idoso que está na tua casa, na tua família, ao teu cuidado, será a mesma como serás tratado, quando chegar a tua vez.
Está na nossa mão dar aos mais idosos e vulneráveis o clima propício que permita acrescentar vida aos seus anos.

DOIS CASOS DA VIDA
Uma senhora, proveniente de um dos países de língua oficial portuguesa, parecia ser a candidata mais improvável para uma velhice útil e profícua. Ao longo dos anos, uma paralisia progressiva e incurável tinha-lhe tirado todas as capacidades físicas. Quando a conheci, ela estava limitada a uma cama de hospital, num lar, dependente da ajuda constante e total do seu marido e do pessoal de cuidados de saúde. A única parte do seu corpo que ainda mantinha alguma mobilidade era a cabeça. Com os seus sessenta e oito anos, depois de passar cerca de 40 acamada, a perspectiva para ela não era muito animadora, temos de reconhecer. No entanto, esta senhora tinha uma visão de si mesma e da sua vida muito positiva e cheia de esperança. Quem a visitava nunca saía sem uma palavra de ânimo, de conforto, de apoio. Ela mesma dizia: “Nada mais posso fazer do que falar. Então, que as minhas palavras revelem o que de melhor guardo na minha memória. Que elas expressem a minha esperança num mundo melhor e numa vida sem mágoas nem lágrimas.”
Na fase da vida em que a conheci, ela já pouco conseguia articular, mas pedia ao seu marido que escrevesse cartas a pessoas que ela sabia estarem em dificuldades, desanimadas, e ela mesma ditava, com a dificuldade que podemos imaginar, o que devia chegar a essas pessoas.
missing image fileMuitas vezes a vi olhar pela janela do seu quarto do lar e “sorrir”, ao contemplar o céu azul, a luz do sol, as árvores... e agradecer pela possibilidade que ainda tinha de ver essas belezas da Natureza...
Um senhor viveu, ao longo de muitos anos, uma vida de utilidade e de entrega a uma obra de grande valor humano: ajudar pessoas a viverem de um modo mais positivo, mais livre de ansiedades e problemas, mais esperançoso. Ainda jovem, tinha entrado na vida do sacerdócio. Na sua formação académica e na sua vida religiosa, adquiriu um acervo de conhecimentos, de experiências, de sentimentos e de sensibilidades que o tornaram um instrumento para o bem. Havia apenas um “senão”: a sua visão degradou-se rapidamente e era com enorme dificuldade que conseguia ler e escrever. Na verdade, acabou por deixar de conduzir, pois não conseguia ver a mais de 30cm de distância. Hoje, já não consegue distinguir o rosto, a imagem das pessoas que falam com ele...
Tive o privilégio de ter esse homem como meu professor no ensino superior e recebi, como a maioria dos meus colegas de estudos, a poderosa influência de uma vida recheada de paz, de esperança, de pensamentos positivos, de altruísmo, de sabedoria.
Esse homem tem agora 98 anos, e encontra-se numa instituição de apoio à terceira idade. A sua saúde debilitou-se e a sua vista, apesar de uma operação cirúrgica, continuou a degradar-se. Mas a sua mente não se degradou. E mesmo com todas as limitações da idade, da falta de vista, da saúde (sofreu uma queda aparatosa que o colocou em perigo de imobilidade total), das possibilidades de acesso a centros de pesquisa e bibliotecas, esse homem entregou-se à tarefa extraordinária de escrever um livro (mais um... dos vários que saíram da sua mão, ao longo dos anos), destinado a promover uma visão positiva da vida e da esperança. Mas esse livro, devido às suas condições de saúde, foi ditado a alguém que o escreveu, alguém que também teve de ler-lhe textos sem fim que ele próprio escolhia... Nessa obra são citados, de memória e com absoluta fidelidade, autores, obras, nomes, circunstâncias, datas, quer clássicos, quer actuais, e o seu raciocínio lógico consegue transmitir aquilo que lhe vai na alma.
Sempre que falamos sobre a sua vida e sobre o seu “bebé” (o seu livro), diz-me com algum humor e emoção: “Só pedi (a Deus...) vista até terminar o livro e Ele concedeu-me esse pedido. Penso que está pronto. Agora, já posso perder a visão definitivamente. Espero que o livro seja o que sempre desejei que fosse: uma forma de levar outras pessoas a enveredarem pelo caminho da paz e do bem. Agora, só peço vida para o ver publicado...”

Manuel Ferro
Redacção Saúde & Lar

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