Estamos convictos, hoje, de que, entre as ameaças mais preocupantes ao bem-estar da humanidade, que ultrapassam fronteiras, latitudes e barreiras entre os povos, encontra-se a descapitalização hídrica de zonas cada vez maiores do planeta. Portugal não foge à regra!
Será que estamos perante uma inevitabilidade? Haverá alguma coisa que possamos fazer, individualmente, para inverter essa tendência? As soluções existem, e estão ao nosso alcance.
Algumas das medidas que se tomam para reduzir este impacto são lentas a conseguir os efeitos requeridos, e encontram resistências ao nível dos diferentes actores numa sociedade. Ainda recentemente, em Portugal, depois da directiva europeia relativamente aos recursos hídricos, falhou-se mais uma data no calendário, sendo necessário prolongar o tempo de adequação dos portugueses à lei dos poços (assim conhecida). Esta lei pretende que se faça no país um rigoroso levantamento dos recursos hídricos existentes, à semelhança do que se vai fazendo no resto da Europa dos 27.
No entanto, enquanto o campo se desertifica, e cada vez menos pessoas conhecem realmente os recursos existentes, nas cidades a pressão urbana destrói esses mesmos recursos, entulhando linhas de água, enchendo com betão e alcatrão os naturais caminhos da água de superfície para os aquíferos subterrâneos, tornando assim cada vez mais comprometedor encontrar o equilíbrio na Natureza.
Certamente que não podemos resolver o problema sozinhos, mas existem contributos individuais que podem fazer a diferença, e, pela participação activa de cada um, contribuir, gota a gota, para a sua solução.
Uma dessas soluções tem sido apontada, em Portugal, por pessoas que há anos têm vindo a apelar para uma gestão urbana mais próxima das soluções ecológicas. O Eng. Ribeiro Teles fala regularmente da manutenção dos espaços verdes, como fundamentais para combater o efeito de estufa e trazer humidade de volta às cidades.
Um dos meios de conseguir que tal aconteça é através do desenvolvimento de zonas destinadas a hortas do lar, um conceito que temos vindo a apresentar. O que distingue o conceito de “hortas urbanas” do de “hortas do lar” prende-se com o enfoque na coesão social e familiar que este último apresenta. No entanto, quer as hortas urbanas quer as hortas do lar contribuem para o importante papel que uma gestão dos solos e organização urbana mista (entre betão-espaços verdes) pode conseguir na problemática da gestão da água.
De acordo com a FAO (Organização para a Agricultura e Alimentação das Nações Unidas), 15% da produção mundial de alimentos era assegurada em 1998 por hortas urbanas. Este número envolveria cerca de 800 milhões de pessoas. É interessante notar que a produção das hortas em cidades é tão antiga como o desenvolvimento das próprias cidades. Evidentemente que, com o desenvolvimento rodoviário e dos transportes, foi possível equacionar um abastecimento das cidades a partir de uma agricultura intensiva, mais distante, relegando-se para segundo plano esta forma de auto-subsistência dos seus habitantes.
No entanto, o agravamento dos problemas ambientais, o aumento do preço dos combustíveis, a poluição causada pelos transportes, a utilização de adubos químicos na agricultura intensiva, a destruição das terras aráveis devido às suas técnicas, tudo isso são razões que nos devem levar, hoje, a perspectivar o âmbito do alcance individual das nossas escolhas e opções.
Embora no século XIX estivesse bem consolidado o movimento das hortas urbanas no Norte da Europa, com mais de um século de institucionalização urbana deste fenómeno, nem todos os países o apoiaram e apoiam. (Por institucionalização pretendemos referir a coexistência pacífica de hortas em cidades, apoiada pelos poderes locais de gestão urbana e a solidariedade e respeito mútuo dos cidadãos por esses espaços).
Podemos referir um desses exemplos de institucionalização: na Alemanha, em 1864, foi criada a primeira Associação, denominada Schreberverein. Um pouco mais a ocidente, a Dinamarca tem hoje cerca de 409 Associações de cidadãos urbanos que se interessam pelas hortas urbanas. Este é o país que regista o maior número de hortas urbanas per capita, tendo uma história já longa com saber acumulado desde o século XVIII.
É neste contexto de organização urbana que as autarquias fornecem, nestes países, pequenos espaços para que os seus munícipes os possam cultivar, não longe das suas habitações. Em Portugal, no entanto, assistimos ao inverso desta tendência: Existem, felizmente, algumas excepções, ouvindo-se falar aqui e além de que está em projecto, em várias Câmaras, a instalação destas hortas. Contudo, com a excepção da zona do Porto (com as Hortas à Porta) a experiência portuguesa é incipiente, esporádica, não apoiada ou acompanhada pelo poder local. A representação social que este conceito obtém é negativa, muito provavelmente pela memória recente que o povo português guarda da sua ruralidade.
Mas os tempos mudaram definitivamente. Se, por um lado, a crise que se tem vindo a agravar no campo financeiro veio lembrar-nos que a especulação não é sustentável a curto e médio prazo, fomos violentamente recordados de que a gestão especulativa não sustentável do ambiente, que temos empreendido, é desastrosa. A extinção dos recursos fósseis informa-nos que a sustentabilidade das cidades, através da maciça importação de alimentos, deve ser urgentemente reequacionada. Insistir que nada vai mudar é agravar ainda mais o problema. Por isso, há que empreender um movimento cívico de apoio a novas soluções, seguindo os bons exemplos do passado e do presente. Existem soluções que podem ser construídas, onde a participação individual em muito contribuirá para resolver o problema em termos globais. Porque gota a gota se enche uma ribeira...
Luís Nunes
Sociólogo da Medicina e da Saúde
Mestre em Saúde Pública
Sociólogo da Medicina e da Saúde
Mestre em Saúde Pública