27.8.13

UMA CHÁVENA DE ESTIMULANTE

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Levantar-se de manhã e ter uma bebida quente para ingerir é um hábito saudável. Provavelmente, ter-se-á passado um período de 8 a 12 horas desde que se alimentou, e o seu estômago esteve “em jejum” durante esse tempo. Portanto, o seu órgão digestivo merece uma bebida quente, preparando-o para a digestão.
A bebida quente mais famosa em todo o mundo é o café. A maioria dos portugueses limita-se a essa bebida pela manhã, junto com uma carcaça, e assim está feita a primeira refeição do dia.

A descoberta do café
O café foi descoberto indirectamente na Etiópia, através de um pastor de cabras. Quando pastoreava o seu rebanho, perto de uns arbustos de uma planta nativa, o etíope notou uma alteração no comportamento dos animais que se alimentavam das folhas desta planta. Percebeu que as cabras não exigiam tantas paragens quando se alimentavam daquelas folhas e que andavam mais rápido, sem um cansaço aparente.
Comentando esse facto com um religioso muçulmano, o interesse pelas propriedades dessa planta foi despertado, e depressa começaram as experiências com as folhas e os frutos do arbusto. Os monges descobriram um meio de manusear os frutos de forma a serem usados como bebida, e esta tornou-se popular nos mosteiros da região, sendo posteriormente evidenciada a cultura do referido arbusto em mosteiros na Ásia, no ano de 575.
Hoje, sabe-se que o efeito estimulante do café é produzido pela metil-xantina, presente nas folhas e nos frutos do arbusto, sendo a cafeína a substância mais famosa. Os seus efeitos estimulantes são tão populares que ela passou a fazer parte da composição de outras bebidas, como os refrigerantes. Mas a substância também se encontra naturalmente nas folhas de chás (mate e preto), na castanha do cacau (chocolate) e nos frutos do guaraná.

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Raio X do café
Além da cafeína, o café contém cerca de 400 outras substâncias químicas, inclusive pequenas quantidades de vitaminas, minerais, açúcar e tanino. Veja as mais conhecidas:
Cafeína – alcalóide estimulante
Cafeol – óleo volátil, irritante das paredes do estômago
Xantinas – teofilina e teobromina, alcalóides que provocam uma vasodilatação momentânea
Gorduras – cafestol e kahweol, ricas em colesterol (ver o quadro)

A publicidade sobre o café tem explorado o seu efeito estimulante, sugerindo que é uma boa opção antes de ir para a cama com o parceiro. Apesar do estímulo que o café oferece, especialistas em fertilidade afirmam categoricamente que o café (e o chocolate, o guaraná e o chá-mate) deve ser banido da dieta de quem deseja ter filhos. Esta bebida diminui a fertilidade e dificulta o acto de concepção.
O estímulo que o café oferece para a relação sexual pode também comprometer o relaxamento que naturalmente se consegue depois do acto. Como estimulante do sistema nervoso central, a cafeína pode suplantar o efeito relaxante produzido após o orgasmo. O sono também pode ser retardado após a ingestão da bebida, devido aos seus efeitos estimulantes.
Além dos efeitos negativos sobre a fertilidade e sobre a insónia, surgem a irritabilidade, o nervosismo ou a ansiedade, e um grau de dependência, do qual os sintomas mais comuns da síndrome de abstinência são a cefaleia (dor de cabeça), o cansaço e a dificuldade de concentração. Certamente, a metil-xantina presente na cafeína actua contra as substâncias endógenas naturais que o próprio organismo oferece para fazer o corpo relaxar.

Níveis de cafeína (150ml)
missing image fileCafé expresso 125-165 mg
Café descafeinado 1-5 mg
Café preparado por decantação 40-170 mg
Café preparado por gotejamento 60-180 mg
Café solúvel 30-120 mg
Chá preparado 20-110 mg
Chá instantâneo 25-50 mg
Chocolate 2-20 mg
Refrigerantes à base de cola 45 mg
Guaraná (refrigerante – 330 ml) 2-20 mg
Medicamentos analgésicos 30-200 mg
Remédios para resfriados 30-100 mg
Argumentos a favor
Têm surgido novos argumentos a favor do uso do café. Contudo, a cafeína já está classificada como uma droga nos anais farmacêuticos, e já se encontra na composição de muitos medicamentos destinados a melhorar o seu desempenho e antagonizar os efeitos colaterais, induzindo o estado de alerta.
Portanto, vários argumentos para justificar o uso do café têm sido elaborados, mas a boa prática medicamentosa revela que estamos a conviver com o mais popular veículo de uma droga do Planeta. Assim como a cerveja e outras bebidas alcoólicas servem para veicular o etanol, o café é o veículo popular da cafeína.
Há estudos que apresentam o café como a bebida que atrasa a progressão da Doença de Parkinson. Mas, até hoje, não se sabe se o seu livre consumo como bebida atende devidamente às dosagens terapêuticas que a doença exige. Afirmar que o café pode ser tomado em casa pelos pacientes portadores de Parkinson é, no mínimo, uma atitude irresponsável.
Se o café deve ser usado como medicamento, e se os seus efeitos terapêuticos devem ser explorados na Doença de Parkinson, cabe aos trabalhos científicos de investigadores descobrir e validar o uso da cafeína. É da responsabilidade do consumidor avaliar toda essa problemática e concluir se a bebida matinal não é, na realidade, o medicamento matinal, e se, diante das evidências, não seria melhor deixar o hábito de tomar café, aposentando a bebida nas prateleiras dos supermercados e mercearias.
A cafeína pode, realmente, curar a dor de cabeça, mas só nas situações em que a pessoa que já usa o café sente as dores depois da abstinência da bebida. É a dependência da cafeína que faz aparecer os sintomas de irritabilidade, a cefaleia e os tremores. Se ingerir o café, certamente que esses sintomas irão desaparecer.
Já houve quem defendesse que as escolas deviam oferecer café às crianças na sala de aula, a fim de melhorar a concentração. Realmente, um dos efeitos do café é melhorar o estado de alerta das pessoas, pelo estímulo que a cafeína produz no sistema nervoso central. Mas a origem da falta de atenção nas salas de aula não deve ser combatida com um elemento estimulante, e sim com a correcção de hábitos.

A gordura contida no café
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O cafestol e kahweol presentes nos grãos de café elevam o colesterol sérico. Durante a preparação, a água quente remove algumas dessas substâncias gordurosas e elas ficam presentes no líquido não coado. A quantidade de gordura de uma chávena de café, portanto, depende da maneira como ele é preparado. Veja no quadro a quantidade de gorduras (cafestol e kahweol) e o colesterol total presente em cinco chávenas ou 150ml/dia de café.

Modo de prepararKahweol (gordura)CafestolColesterol total
Café sem coar (árabe)3,9mg3,9mg9,65mg
Café coado0,1mg0,1mg0,38mg
Em cafeteira eléctrica (italiano)4,4mg3,5mg8,87mg/dl
Expresso1,4mg1,5mg3,38mg/dl
Filtrado0,1mg0,1mg0,38mg/dl
Instantâneo0,2mg0,2mg0,38mg/dl
Mocha (expresso + leite + chocolate)1,4mg1,1mg2,70mg/dl

Muitas vezes, a criança fica até tarde a ver televisão e chega sonolenta às aulas. Seria mais correcto mandá-la deitar mais cedo. Assim, o seu organismo adaptar-se-ia naturalmente, aumentando a atenção na sala de aula. Os estados patológicos devem ser avaliados separadamente. Se o médico receitar medicamentos com cafeína, será uma decisão terapêutica. Porém, o uso diário e constante na sala de aula pode favorecer o estímulo para drogas mais fortes.
Apregoa-se, também, que o café melhora o desempenho físico, sendo usado, até, por atletas antes das competições. Isto é verdade. Os exames antidoping proíbem a cafeína, mas as doses limites são bem superiores ao que uma ou duas chávenas de café possam oferecer. E é importante lembrar que qualquer substância que venha a estimular de forma induzida um melhor rendimento físico estará a fazer com que o organismo trabalhe acima das suas capacidades naturais.
Sabe-se, hoje, que a cafeína actua sobre o cansaço físico do usuário. Esse sinal que a cafeína irá retardar tornará o exercício intenso, levando a um aumento do ácido láctico no músculo e, posteriormente, no sangue. Enganar o organismo com um café, é intoxicar os músculos e sobrecarregá-los de forma a prejudicar o seu desempenho futuro. Potencializar a actividade muscular, ignorando a fisiologia natural do nosso organismo, é desfavorecer os mecanismos que o próprio corpo estabelece para a sua autopreservação. Ignorando os próprios sinais que o organismo oferece, as lesões musculares poderão ser mais frequentes, por extrapolarem o Limiar Anaeróbico (LA), ou seja, os níveis de remoção do lactato e a velocidade com que é feita no organismo.
Argumenta-se, ainda, que beber café ajuda a emagrecer. O efeito estimulante da bebida melhora o desempenho dos exercícios físicos e, consequentemente, favorece uma maior queima de calorias. Mas, ingerir café e esperar que ele actue como emagrecedor, é pura ilusão. O stresse muscular causado pelo estímulo em excesso poderá levar a efeitos indesejáveis na própria estética da pessoa. Assumir os excessos desse estímulo representa uma fadiga maior, mais desgaste físico e menos disposição quando passa o efeito da bebida.
Uma sessão de exercícios físicos é benéfica a qualquer pessoa. São produzidas substâncias no nosso corpo que irão determinar um melhor repouso, mais bom humor e mais disposição física. O uso de estimulantes irá determinar uma contraposição aos efeitos naturais do organismo.
Como a bebida tem efeito estimulante, o metabolismo é levado a uma aceleração acima do normal, podendo prejudicar os tecidos, como as células epiteliais (pele). Aqueles que gostam de manter a sua boa aparência, podem ganhar tónus muscular com essa táctica, mas perdem a aparência jovial, pelos excessos assumidos. O ácido láctico, quando produzido em situações de fadiga persistente, pode extravasar do músculo para outros tecidos.

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As Contra-indicações
Como qualquer outra droga, a cafeína tem as suas contra-indicações. Um estudo recente confirmou que o café é um factor de risco para a gravidez. Os médicos chegaram a afirmar que o uso da bebida pode provocar aborto espontâneo.
A combinação do vício do café com o do tabaco potencia os efeitos nocivos ao coração. O fumo e a cafeína agem de forma combinada, danificando as artérias e o fluxo sanguíneo. A acção conjunta revelou-se pior do que a soma dos efeitos de cada substância tomada isoladamente.
Se o café tem contra-indicações, como substituí-lo, já que beber algo quente pela manhã é saudável e o hábito deve ser mantido? As alternativas são os chás naturais que não possuem a cafeína (cidreira, erva-doce, de laranja, de maçã, etc.). Há ainda a opção de outras bebidas de grãos torrados, como a cevada e o milho.
O uso do café descafeinado tem-se tornado popular. No entanto, estudos recentes indicam que, no processo de descafeinização, a cafeína é reduzida no seu teor, mas não totalmente eliminada (ver o quadro). As bebidas à base de leite são uma boa opção, mas é bom lembrar que os achocolatados também contêm cafeína.

Como se descafeina o café
missing image file1) Água quente: Imersão dos grãos em água quente, que faz com que diversas substâncias venham à superfície. Dessa água são retiradas as moléculas da cafeína. Os grãos, então, voltam a ser submersos a fim de reabsorverem as substâncias que lhe dão o sabor.
Problema: O processo é pouco higiénico e foi apelidado de “método da água suja”.
2) Água suja aprovada: Os grãos ficam imersos em água saturada por substâncias de café. As moléculas da cafeína são absorvidas porque são menores do que as presentes na água saturada.
Problema: É água suja também, só que aprovada pela fiscalização sanitária.
3) Banho de solventes: Algumas substâncias, como o dióxido de carbono, cloreto de metileno ou etil-acetato ligam-se às moléculas da cafeína, extraindo-as do grão.
Problema: Não se consegue remover totalmente o solvente dos grãos, alterando-lhes o sabor.
Vários produtos já foram usados para tentar descafeinar o café: o diclorometano e o acetato de etila. Ambos foram rejeitados para esse fim, pois descobriu-se que são tóxicos para o ser humano. A partir de 1990, um solvente não tóxico, e mais natural, o fluído supercrítico de dióxido de carbono, passou a ser usado. O processo de extracção é relativamente simples: O gás CO2 supercrítico, sob alta pressão, “lava” os grãos do café, dissolvendo cerca de 99% da cafeína, que é isolada e separada dos grãos.
4) Gás Carbónico: Tem a capacidade de atrair as moléculas da cafeína. O processo acontece numa caldeira de alta pressão.
Problema: É um método muito dispendioso.

Ivair Costa
Bioquímico
S&L

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